26.3.05

"Oriente - Ocidente, a fractura imaginária"

Recentemente tomei contacto com aquilo a que posso chamar um dos livros mais interessantes que já li até hoje. "Oriente Ocidente, a fractura imaginária" de Georges Corm constitui uma obra inovadora no panorama das relações entre estados, nomeadamente no que diz respeito ao anunciado conflito do século XXI entre civilizações, acima de tudo entre a dita "civilização Ocidental" e a dita "civilização Islâmica", apregoado por Huntington, o autor de "O Choque das Civilizações" e que eu pessoalmente considero como totalmente ficcional e mais digno de um filme do que da realidade, como se as civilizações pudessem ser delimitadas num mapa e as suas componentes rigorosamente estratificadas nas mentes de cada um dos indivíduos que com elas se identificam.
O autor, antigo ministro das finanças do Líbano e considerado como uma figura de relevo no que diz respeito ao desenvolvimento económico, expõe aquilo que no seu entender não é mais do que uma "fractura imaginária" entre o Ocidente e o Oriente, através de uma breve análise, dentro do possível, dos pressupostos e estereótipos que classificam o mundo ocidental e, sobretudo, o mundo islâmico. Na sua obra, é desmantelada a construção de um Ocidente democrático, livre, ponto máximo da aspiração Humana e messiânico, com o principal desígnio de levar a sua "luz" ao "terceiro mundo". A herança clássica, legado das civilizações grega e romana que são a base das chamadas democracias ocidentais, bem como o contributo a partir da Era do Renascimento de sucessivas gerações de ideólogos e pensadores ocidentais cuja expressão atinge o seu auge na Revolução Americana, Revolução Francesa e nas Revoluções Liberais que atravessaram a Europa no século XIX, tudo o que contribuiu para a construção da democracia que hoje conhecemos, liberal, secular, tripartida, respeitadora dos direitos e liberdades de cada um, encontra-se hoje ameaçada por um ressurgimento de cariz bíblico e maniqueísta que se acentuou com os atentados de 11 de Setembro de 2001 e cuja expressão mais visível encontramos no discurso propagado pela Casa Branca [mas não exclusivo do governo dos EUA] através da sua retórica dualista de "bem contra o mal", "civilização contra barbárie", "democracia contra terrorismo" e outras que tão bem conhecemos.
Esta ascensão do espírito de cruzadas, transposto para o século XXI, vai contra tudo o que os nossos antecessores elegeram como prioritário e que esteve próximo da extinção entre 1918 e 1945 devido aos expansionismos nazi, fascista e comunista. O recurso a arquétipos religiosos, de acordo com Georges Corm, apenas esteve adormecido desde 1789 até hoje, o surgimento dos nacionalismos no século XVIII sobrepôs-se temporariamente ao fervor religioso que caracterizou o continente Europeu até ao século XVIII [com uma História sangrenta provocada por divisões e sectarismos religiosos, quer entre cristandade e islão, quer dentro da própria cristandade] para agora ressurgir, ao abrigo de um atentado em grande escala contra o ocidente, cujas circunstâncias e consequências são devidamente manipuladas por interesses políticos e económicos, levando a que sejam postas em prática, nas democracias ocidentais, medidas que seriam inaceitáveis face ao espírito liberal no qual os nossos estados são fundados.
Comecei por referir o Ocidente mas isto não significa que a obra de Georges Corm seja uma crítica devastadora dos actuais líderes políticos ocidentais que o autor culpe por todos os males dos países em desenvolvimento. O mundo islâmico é também alvo de críticas e num plano superior, aquilo que se denomina o "oriente" ou o "resto do Mundo" tendo como ponto de referência o ocidente, considerado por tantos ocidentais como atractivo, exótico, místico e ao mesmo tempo bárbaro, ímpio, selvagem, inculto (!), desrespeitador de tudo aquilo que no ocidente nós consideramos como inviolável [ou considerávamos...]. O autor coloca ao mesmo nível a propaganda elaborada por clérigos islâmicos radicais sobre o ocidente [materialista, imoral, individualista, "grande satã", sem valores, imperialista] com a propaganda que nos últimos anos tem sido difundida pelo ocidente sobre o mundo islâmico [irracional, extremista, furioso, unido contra o ocidente, susceptível de tornar qualquer um dos seus 1200 milhões de membros num terrorista como os que guiaram os aviões utilizados nos atentados de 11 de Setembro] o que, se pensarmos devidamente no assunto, faz todo o sentido, tendo em conta que quer o cristianismo, quer o islamismo fazem parte do mesmo tronco de religiões monoteístas. A crítica aos líderes políticos do mundo islâmico, do mundo árabe em particular, é impiedosa e aponta as que o autor considera como as principais falhas dos países muçulmanos em se modernizarem e construírem regimes democráticos capazes de responderem às necessidades dos seus cidadãos, ao invés de culparem o ocidente por todos os seus males e de alimentarem correntes cujo objectivo é a ruptura da democracia ocidental.

É uma obra que eu recomendo a toda a gente que lê este blog [ou seja, contam-se pelos dedos de uma só mão...], não apenas aos que estudam relações internacionais, trata-se de um livro que não pretende orientar um estudo científico mas é antes uma perspectiva vinda de um indivíduo com conhecimentos vastíssimos sobre o tema tratado e que lida com uma realidade com a qual nós contactamos quase diariamente. Densa mas acessível, quer se concorde quer não, julgo que dificilmente alguém se poderia arrepender de ler esta obra.

21.3.05

"...falta cumprir-se Portugal"

A vitória obtida pelo PS há um mês coloca um peso quase titânico em cima do executivo liderado por José Sócrates. A expressividade dos resultados não deixa margem para justificações relacionadas com estabilidade política ou desentendimentos no que diz respeito ao debate no Parlamento e colocam o XVII Governo Constitucional numa posição simultaneamente privilegiada e bastante vigiada, quer pela opinião pública, quer pelas outras forças políticas, para cumprir o seu programa.

Àquele que me parece ter sido o tema preferido por Sócrates durante a campanha, o "choque tecnológico", foi acrescido um outro, que surge como uma natural precedência deste, o "modelo Finlandês" de desenvolvimento. Parece que finalmente uma parte da nossa classe política tomou consciência de que Portugal não estava a seguir um modelo de desenvolvimento adequado a um país Europeu do século XXI e inspirou-se no modelo adoptado pelo país mais competitivo do Mundo.
Nada de censurável, pelo contrário, apenas louvável, tendo em conta o país que é a Finlândia. No entanto, e aqui já entro no campo da minha própria especulação, eu espero que as mentes por detrás desta decisão tenham plena consciência daquilo a que se propõem fazer. Se no âmbito tecnocrático, o "choque tecnológico" já é bastante difícil de concretizar num país como Portugal, o "modelo Finlandês" deve ser visto como um exemplo a ter em conta e auxiliar na formulação de ideias mas não uma cartilha ou um código, como alguns o apresentam.
Será uma lacuna grave a falta de conhecimento dos estrategas do PS no que diz respeito à aplicação do modelo Finlandês no seu próprio país. Cada modelo de desenvolvimento é resultado do ambiente que o estimula e como todos nós sabemos, não há países idênticos. Podem existir semelhanças entre países, sem dúvida, mas não há países idênticos, nem realidades ou contextos socio-económicos idênticos.
Para atingir o nível de desenvolvimento, inovação e competitividade que a Finlândia hoje possui, não basta aumentar o investimento público e privado em novas tecnologias – a simples aquisição de tecnologia para que esta seja aplicada às actividades económicas Portuguesas não preenche metade das lacunas de Portugal neste âmbito – que provenham de outros países e mediante a aplicação de know-how de fora de Portugal. A intervenção necessária no sector educativo – também prevista pelo governo de Sócrates – é absolutamente urgente mas não podemos fazer previsões rigorosas para um sector cujos resultados se tornam visíveis ao fim de dez anos.
Um mal recorrente da sociedade Portuguesa desde há tempos imemoráveis é a total responsabilização do Governo pelos acontecimentos – geralmente negativos – que ocorrem no país. Aconteça o que acontecer, a culpa é do Governo, será isto uma reminiscência do salazarismo, em que um homem detinha um poder exponencialmente maior do que a actual figura do Primeiro Ministro?
Seja como for, uma estratégia de desenvolvimento como aquela a que o XVII Governo se compromete, não pode estar dependente apenas do poder executivo. É óbvio que este detém uma grande responsabilidade na sua elaboração e aplicação, mas num país democrático como Portugal onde existe liberdade política e vigora uma livre economia de mercado, a inovação e o desenvolvimento não podem estar unicamente concentrados num vector chamado Governo, enquanto o sector privado se desresponsabiliza das suas funções económicas e sociais, como tão frequentemente vemos acontecer pela via das falências de empresas, sobretudo do sector têxtil, cuja incompetência dos seus quadros superiores as tornou obsoletas e anacrónicas no contexto de um país da União Europeia.
Nada exprime melhor esta premissa do que a posição recentemente tomada pelos empresários têxteis contra a liberalização da circulação dos têxteis Chineses e o consequente pedido por parte dos empresários dos têxteis de aplicação de uma cláusula de salvaguarda para evitar que os têxteis Portugueses deixem de existir devido à concorrência dos Chineses. Não seria uma atitude mais inovadora questionarem-se sobre o que terão os empresários feitos nos últimos anos para se encontrarem numa posição tão frágil, em que um país com níveis salariais dez vezes inferiores e com escassos meios de protecção laboral está prestes a ultrapassar um estado membro da União Europeia?
Voltando à questão do "modelo Finlandês" – sem que esta esteja afastada do conteúdo dos dois últimos parágrafos, muito pelo contrário – gostava de saber se alguém com bom senso informou os estrategas do PS sobre a necessidade de acabar com o sigilo bancário e o sigilo fiscal. Acerca deste assunto, o programa de Governo constata o seguinte: "Adoptar um regime igual às melhores práticas europeias, nomeadamente em matéria de sigilo bancário para efeitos fiscais. " Para o cumprimento deste objectivo, o programa indica um prazo de 180 dias.
Estará o Governo consciente de que em Portugal, talvez mais do que em qualquer outro país Europeu, a legislação é 50% decorativa? Estará o Governo preparado para assumir medidas não só de carácter tecnocrático mas do foro cultural e cívico, juntamente com a sociedade civil, para a criação de um "modelo Português" que pode com toda a certeza ser de inspiração Nórdica mas que não o pode copiar na íntegra?
Os cidadãos aguardam, mas não passivamente, pelo menos este cidadão irá tentar que assim seja.

16.3.05

Revolução Humana

Defronte os nossos olhos, filas intermináveis de cinzentos monólitos povoam o vasto campo que nós chamamos de "conhecimento".
Desde que iniciamos a nossa existência até ao fechar do nosso ciclo que incorporamos os gigantescos blocos monolíticos...encontram-se não só na realidade que chamamos de tangível e perceptível aos nosso sentidos mas no interior da nossa mente.
Baseados em premissas invioláveis e inquestionáveis, criamos a nossa própria percepção com base nos pressupostos sacrossantos que de forma tão sublime foram semeados pelo nosso cérebro, reduzindo-nos a uma função meramente reprodutora e repetidora sem nunca quebrar o ciclo ou colocar em causa o status quo.
Negamos a nossa própria essência e desferimos mais um golpe profundo na nossa extraordinária capacidade de interpretação, inconscientemente caminhamos para o nosso próprio fim, dentro e fora de nós.
De bom grado e livre vontade, somos os carrascos do nosso próprio tormento, numa lenta e prolongada tortura mental da qual criamos uma vaga concepção mas cujo fim nunca alcançaremos enquanto a nossa verdadeira capacidade permanecer esmagada sob o insuportável peso dos opressivos monólitos.
O nosso triunfo não é mais do que uma ilusão, uma cortina de fumo que nós tão cegamente contemplamos e julgamos de uma consistência inabalável, para apenas entrarmos em colapso e em choque ao apercebermo-nos da sua verdadeira natureza.
Nascemos livres mas morremos prisioneiros, prisioneiros por um crime que não cometemos, sob uma acusação que não conhecemos, sob uma sentença que na melhor das possibilidades, sabemos terminar apenas com o nosso próprio fim.
Aos que caem nas grades da terrível infra-estrutura monolítica, uma existência cinzenta e linear, recheada de vulgaridade e seguidismo, acompanhada do temor da distorção da ordem invisível. Amarrados aos pressupostos e às ideias físicas e metafísicas nas quais fomos tão bem enculturados pela ordem opressora imaterial e intemporal que nos rege, nada mais vemos que a faceta convencional de cada objecto, de cada síntese, de cada fonte de inspiração, ainda que julguemos poder ver todas as faces.
Dentro e aos comandos dos monólitos, encontramos os guardiões, classe intemporal de Humanos cuja função, sob o aspecto de um tão nobre serviço à Humanidade cujo progresso e ordem vigente nunca poderia existir sem eles. Os guardiões, representantes da antítese da própria Humanidade, opressores da sua própria espécie, também eles constrangidos, sem que disso tenham consciência tal não é o peso da ordem que todos julgamos existir dentro de nós.
Figuras de proa de uma ordem e de uma síntese que julgamos indestrutível, mas que mais não é do que uma mera construção artificial, uma diversão que se arrasta ao longo dos tempos, bloqueando toda a nossa percepção, impedindo-nos de rompermos o círculo vicioso no qual caímos graças aos monólitos instalados na nossa mente e que tão perfeitamente emulam os seus originais, os guardiões traçam o rumo do seu próprio fim, através da estrada que eles próprios contribuíram para edificar.
Ironia-rainha de toda esta tragédia, individual e colectiva ao mesmo tempo, ao criarem o clima de opressão sobre nós, os próprios guardiões estão a criar o seu próprio fosso, a cada golpe que talham sobre o corpo da Humanidade. Assim é o que a História nos conta, tão nobre ciência cuja interpretação, tantas vezes errónea sob a influência dos guardiões, distorcemos em nome de verdades que veneramos e que defendemos com todo o nosso empenhamento...
Seremos todos assim, meras formas de vida orgânicas com funções biológicas, condenadas a uma existência cinzenta na qual a nossa actividade está reduzida às orientações gerais dos monólitos e dos seus guardiões?
Concerteza que não, mais uma vez a História nos mostra que enquanto houver um Humano que seja capaz de romper o círculo maldito do nosso próprio sufoco, o conceito de Humanidade ainda é susceptível de nos ser aplicado. Os guardiões nada mais são do que Humanos, como nós, cujas ilusões sobre os monólitos superam até as dos Humanos mais cinzentos.
Quando chegará a hora do derrube dos monólitos? De que forma vai ela ser processada? Iremos expurgar a ordem monolítica de uma só vez das nossas mentes? Iremos estudar cada monólito habilidosa e silenciosamente, para lhes infligirmos um golpe de misericórdia quando tivermos encontrado o seu núcleo?
Terá a Revolução Humana já começado?
Dedicado a todos os que se intitulam como senhores absolutos, guardiões e imperadores do conhecimento e da verdade. O vosso fim já está em marcha, nada mais podem fazer além de assistir.
Deixo à vossa livre interpretação, sejam quais forem as vossas conclusões, nenhuma delas estará errada, todos somos guardiões do nosso próprio conhecimento.

13.3.05

A República Islâmica e a bomba-A...

Estamos a assistir a um dos primeiros testes sérios da segunda administração Bush e da sua nova aproximação à Europa em nome das metas comuns que tanto os EUA e a União Europeia partilham. Após uma clivagem acentuada com a França e a Alemanha a propósito da guerra do Iraque em 2003, eis que em 2005, Washington e Bruxelas tentam chegar a uma voz única [embora com diferentes tons] no que diz respeito ao programa nuclear Iraniano.
Como já se sabe, no final da década de 1960, as cinco potências nucleares de então [EUA, URSS, Reino Unido, França, República Popular da China] instituíram um pacto entre si e convenceram o resto do Mundo a assiná-lo, para que todos os outros estados renunciassem à proliferação nuclear. Um estado que o tivesse assinado e que o violasse, entraria em desrespeito para com as normas e, pelo menos teoricamente, arriscaria sofrer sanções.
É este o pano de fundo da situação que actualmente se desenrola e cujos desenvolvimentos transitam entre Teerão e EUA&UE, a desconfiança por parte dos dois grandes blocos Ocidentais que a República Islâmica do Irão está a utilizar o seu programa nuclear não com fins civis, que Teerão afirma, mas sim com o propósito de fabricar armas nucleares, o que está proibido pelo Tratado de Não Proliferação.
Já sabemos o que é o Irão, certo? A República Islâmica que os EUA denominam como pertencente ao "Eixo do Mal", um país alvo de desprezo por parte dos Estados Unidos cuja memória deste estado traz sempre imagens do assalto à sua embaixada em Teerão e da tomada de reféns Americanos após o estabelecimento da República Islâmica, há 25 anos atrás. Será, na óptica da Casa Branca, um país "a evitar", alvo de sanções e cujo regime teocrático deve ser democratizado. Logo, de acordo com a lógica de Washington, se Teerão, que regurgita ódio anti-americano e fundamentalismo anti-ocidental, afirma que o seu programa nuclear tem fins civis, este deve necessariamente ter fins bélicos, porque o anti-americanismo e o apoio a organizações terroristas anti-americanas e anti-israelitas é um dos vectores da política externa Iraniana.
Afinal, porque haveria o Irão de tentar lançar um programa nuclear com fins civis quando dispõe de reservas petrolíferas tão vastas, suficientes para garantir a independência energética do país durante algum tempo? Aliado ao neo-conservadorismo dominante na Casa Branca no início do século XXI, esta justificação assente em aspectos logísticos [e lógicos, pelo menos para Washington] avança com a seguinte conclusão: a República Islâmica do Irão não é uma democracia, as suas intenções não são pacíficas, a sua política externa é agressiva e o seu objectivo é desenvolver armas nucleares que poderão ser utilizadas contra os EUA ou algum dos seus aliados ou ainda ser fornecida a grupos terroristas anti-americanos e anti-israelitas.
Com todo o respeito pelas concepções de segurança internacional de Washington, toda esta movimentação e tentativas de apaziguamento do Irão estiveram ausentes quando em 1998, a Índia e o Paquistão anunciaram orgulhosamente ao Mundo que tinham efectuado testes nucleares. Apesar do discurso oficial ter referido a imposição de sanções aos dois países, na prática não se levantou o que actualmente se verifica em Washington. O que seria mais perigoso para a paz mundial? O desenvolvimento de armas nucleares por parte de dois estados antagónicos e com um historial de conflitos entre si, sendo que um dos países [o Paquistão] é altamente instável, sujeito a golpes militares e com fortes movimentos internos de cariz fundamentalista? Ou o desenvolvimento de um programa nuclear que o Irão afirma ser civil, de um estado cuja retórica agressiva diminuiu de intensidade face aos anos do ayatollah Khomeini e que apresenta um regime político estável e consolidado?
Quais serão as informações que os EUA consideram como suficientemente credíveis para afirmar que o Irão pretende desenvolver armas nucleares como forma de aumentar exponencialmente o seu poder a nível regional e de se afirmar cada vez mais como contra-peso aos EUA no Mundo Islâmico? Por ventura vêm elas das mesmas fontes que tão convicta e seguramente afirmavam em 2002 e 2003 que Saddam Hussein tinha armas de destruição maciça e pretendia utilizá-las, no século XXI, contra os EUA e seus aliados e fornecê-las à al-Qaeda? Estará Washington a cometer um erro estratégico gigantesco ao colocar o Irão e o Iraque num mesma tipologia? Qual é a verdadeira dimensão da arrogância da administração Bush que os leva a raciocinar da forma "um país que se opõe à nossa influência irá necessariamente aliar-se a outro que também manifeste oposição contra nós"?
Desta forma, não será totalmente descabido conceber uma aliança entre a República Islâmica do Irão, teocracia cuja existência é baseada numa concepção islâmica da política e a Coreia do Norte, um estado de cariz Estalinista dinástico, despoletado pelo Marxismo-Leninismo Soviético tão desprezado por Teerão?
Os incentivos dados quer pelos EUA, quer pela EU, não parecem encontrar grande repercussão em Teerão, o que apenas contribui para reforçar a ideia já relativamente estabelecida que o seu programa nuclear não tem fins pacíficos. Porém, seria algo preocupante constatar que nos corredores do poder do Ocidente, ninguém tenha ainda chegado à conclusão que Teerão está a cumprir os desígnios que qualquer estado cumpre, está a velar pelos seus interesses e a aplicar a raison d’état à sua política interna e externa. Qual seria a credibilidade do Irão se abandonasse pura e simplesmente um programa nuclear [se este for pacífico, claro está] porque Washington e Bruxelas a aliciaram para o fazer, através do levantamento das sanções à importação de componentes aeronáuticos e dos obstáculos à entrada do Irão na OMC?
Estou convencido que já terão chegado a esta conclusão, principalmente em Washington. Contudo, as suas ideias monolíticas sobre o Irão estão de tal forma enraizadas na mentalidade política Americana que parece inconcebível que a República Islâmica do Irão adopte um procedimento perfeitamente lógico em política internacional: salvaguardar a independência e a credibilidade.
Arrisco afirmar esta pequena síntese: não estará o Irão, partindo do pressuposto que o seu programa nuclear tem fins pacíficos [qualquer estado chega facilmente à conclusão que uma arma nuclear não é um auxiliar político no século XXI e que a bomba-A hoje não é nenhum garante de prestígio] a admitir que o recurso a hidrocarbonetos pertence ao século XX e que a degradação ambiental que ameaça o planeta deve ser respondida com medidas estruturais e não pontuais, que passam com toda a certeza pelo recurso a fontes de energia além das tradicionais carvão/petróleo/gás natural?
Estou perfeitamente consciente que o Irão não é o primeiro, nem o segundo país que nos lembramos quando pensamos em respeito pelo meio ambiente e em desenvolvimento sustentável em harmonia com a natureza, principalmente numa região com um panorama ambiental tão degradado como o Médio Oriente, mas estou também certo que uma dos responsáveis pela conflitualidade latente que existe entre um número importante de estados hoje em dia provém da autêntica veneração de ideias monolíticas que os poderes políticos têm uns dos outros, recusando-se a observar além do que crêem como absolutamente dogmático. Para a administração Bush, o Irão é um perigoso regime terrorista e enquanto a República Islâmica existir, a sua ameaça é real.
Suponho assim que a Arábia Saudita e o Paquistão não constituem nem irão constituir qualquer fonte de perigo para o Ocidente...

6.3.05

À la beauté des femmes

Um assunto que interessa a todos os Humanos e que é capaz de suscitar as mais vividas e diversificadas discussões entre a espécie mais evoluída do planeta Terra não é, como se podia pensar, a política, a religião, a sociedade ou o desporto. Por mais debates que estes assuntos provoquem, há um que se destaca acima destes pela quantidade de Humanos que se envolvem na sua discussão. Estou a falar, nada mais, nada menos, que da beleza, mais concretamente, da beleza Humana.

Porque todos nós usamos os nossos sentidos para receber os sinais do Mundo que nos rodeia, todos apreendemos de uma forma ou outra [infelizmente nem todos podem utilizar a plenitude dos seus sentidos] os estímulos que encontramos à nossa volta. Entre os estímulos que os nossos sentidos captam todos os dias, a beleza é sem dúvida um dos mais importantes.

Não pretendo definir exaustivamente o que é a beleza nem apontar quem detém legitimidade para a explicar de uma forma mais profunda, apenas dar a minha perspectiva sobre o assunto e assim contribuir com o meu ponto de vista para a discussão de um tema que há milhares de anos que é debatido pela Humanidade.
Poderíamos afirmar que todos os Humanos são susceptíveis de ser belos? Bastantes pessoas dizem que sim e reconhecem em todos nós um determinado grau de beleza, independentemente da nossa opinião sobre nós próprios. Porém, a minha perspectiva não entra nos mesmos pressupostos da premissa que eu acabei de referir. Da minha parte, eu considero a beleza Humana [uma das formas possíveis de beleza que encontramos no nosso Mundo] como uma característica simultaneamente física e metafísica, capaz de provocar nos Humanos que a testemunham uma reacção que em circunstâncias normais estes não seriam capazes de articular. Mais concretamente, a beleza para mim é a força por detrás da inspiração, é o vento que nos empurra para um outro caminho que nunca pensámos antes percorrer, é a manifestação de algo que actua sobre os nossos sentidos e sentimentos e que nos pode, num vago instante, transportar para outra dimensão onde toda a nossa atenção está focada no que consideramos belo, ao ponto de redefinirmos a nossa perspectiva sobre nós próprios e sobre o resto da Humanidade.

Ao testemunharmos a presença de alguém a quem atribuímos uma beleza que transcende a nossa existência, sentimos que nada mais existe além do belo, que num breve instante, os nossos sentidos e sentimentos estão todos voltados numa única direcção e que sob o encantamento de tão bela figura, podemos realizar criações que nunca antes julgámos serem possíveis. Na minha perspectiva, toda esta realização é fruto da nossa apreensão da beleza física e metafísica, cuja actuação conjunta exerce sobre nós um impacto de consequências imprevisíveis.

A partir destas premissas, já estou em condições de avançar para a seguinte conclusão, que eu considero como totalmente verdadeira: o expoente máximo da beleza é sem dúvida, a Mulher, ou se preferirem , o género feminino da espécie Humana.

Sem qualquer atitude de negligência para com a beleza natural ou a beleza animal, ambas forças verdadeiramente transcendentais no nosso Mundo, a beleza de uma Mulher supera qualquer sentimento que eu possa exprimir, em relação a qualquer outro estímulo. Vou ao ponto de afirmar que na espécie Humana, apenas as Mulheres são susceptíveis de serem belas, sendo o corpo feminino o mais belo de todos os corpos existentes na Terra, por entre as milhares de espécies que povoam o nosso Mundo. Na minha sincera opinião, nenhum ser vivo reúne mais atributos de beleza, física e metafísica, capazes de levar ao inexplicável, do que a Mulher.

Sem que seja confudida com perfeição [que para mim existe apenas na nossa imaginação], a Mulher é o ser vivo capaz de inspirar as obras mais sublimes, as reacções mais apaixonantes, os pensamentos e acções mais inusitados e ainda, algo que é bastante difícil de atingir: dentro da minha perspectiva, a beleza da Mulher é capaz de aliar a reacção emocional e a reacção racional, criando um laço quase-perfeito entre as duas e dando origem a actos únicos, impossíveis de serem aplicados a qualquer outro ser vivo ou cenário natural. Haverá algo ou alguém mais belo do que a manifestação plena dos atributos da beleza, a corporização e mentalização do que me faz sonhar e criar, presente fisica e mentalmente [na minha opinião, estas duas vertentes criam-se uma à outra, pelo que é muito difícil para mim dissociar a beleza exterior da beleza interior] num corpo Humano possuidor das verdadeiras fontes da arte? Por outras palavras, haverá algo mais belo do que a Mulher? Não será imperativo que a Mulher receba um tratamento justo que cada uma merece, não foi já a Mulher alvo de tantas injustiças e de tantos estigmas por quem tenta, por motivos que apenas podemos imaginar, afastá-la do seu lugar? O que têm tantos Homens contra a Mulher [neste conceito, eu reconheço simultaneamente o género feminino como singular e as mais de três mil milhões de Mulheres que habitam o nosso Mundo, a língua Portuguesa ainda não permite exprimir unicidade e diversidade na mesma palavra] que são capazes de A tratar como se não valesse mais do que um objecto? Será inveja da beleza feminina? Será incapacidade de reconhecer que a beleza não co-existe com os atributos Humanos?

Da minha perspectiva masculina, o que eu teria a dizer por palavras esgota-se rapidamente. Apenas pretendi fazer uma breve apologia da beleza feminina, a força [ou poder] capaz de me inspirar mais do que qualquer ideologia, cenário ou causa e que, decorrendo da sua própria condição de beleza, leva a criações também elas susceptíveis de serem belas. Não foram ao longo da História as principais inspirações artísticas figuras femininas? Não é a Mulher capaz de provocar as reacções mais inesperadas, alguns diriam irracionais, embora eu duvide se reagir inesperadamente e de uma forma positiva a uma Mulher divinal [mais uma vez, no sentido físico e metafísico] pode ser considerado irracional, visto que para mim até será bastante racional, dentro do género masculino?

Volto a deixar a questão, depois de tudo o que eu referi: não podemos afirmar, com toda a certeza, que não existe nada mais belo do que uma Mulher?

5.3.05

A bandeira e a Humanidade

De todos os seres vivos, os Humanos são os únicos que têm plena consciência de que a sua existência vai terminar. A partir daqui, não surpreende que a maior parte dos Humanos não desejem a morte e a temam, como o nosso instinto de sobrevivência nos demonstra perante circunstância de morte iminente.

Porém, os Humanos também abdicam da preservação da sua existência até às últimas consequências. Será isto um reflexo da racionalidade inerente aos Humanos, a nossa superação voluntária do instinto de sobrevivência por uma causa que nós sabemos acarretar um risco elevado de morte? Ou será antes pelo contrário um indício de irracionalidade, ou antes, de falta de bom senso, quando colocado lado a lado aos milhões de Humanos que todos os dias se esforçam para que a sua vida não termine? É uma questão que lanço aos leitores deste blog.

Mas o que poderá, afinal de contas, ser tão poderoso que leve os Humanos a encurtarem significativa e voluntariamente o seu tempo de vida, mostrando uma vontade oposta ao seu instinto primário de sobrevivência?

Ao longo da História, milhões de Humanos morreram sem que o seu organismo tivesse exaurido todas as suas possibilidades de vida. Milhões de Humanos deram as suas vidas voluntariamente por causas que tiveram um impacto de tal forma profundo na sua mente que os levaram a realizar um dos maiores esforços possíveis que um Humano pode fazer, o do sacrifício em nome de uma causa, e ao longo dos milhares de anos da História, nada levou reuniu mais Humanos dispostos a cair em seu nome do que a bandeira.

A bandeira, que para uns é um mero símbolo protocolar, para outros é apenas um objecto sem sentido, para outros ainda é algo que os comove sem que no entanto a conheçam ou saibam o que significa, tem o poder [ou capacidade de influenciar...] de reunir uma autêntica legião à sua volta composta por Humanos cujo elo de ligação pode ser apenas um: a defesa da bandeira e de tudo o que ela simboliza.

Como é que isto se forma? Como é que algo que no plano físico não passa de um tecido rectangular hasteado num mastro e com uma simbologia particular e ainda com um tamanho padrão em qualquer ponto da Terra [à excepção da Suíça e do Nepal, todas as bandeiras nacionais têm um tamanho padrão idêntico] tem a capacidade de rapidamente reunir milhões de Humanos quando estes pressentem que a bandeira com a qual sentem afinidade está em perigo?
O que simbolizará, afinal, a bandeira? Um espaço político delimitado por fronteiras? Um espaço metafísico existente dentro da consciência indiviual e colectiva [paradoxal, não?"consciência colectiva"...] de cada um? A interacção destes dois espaços, formando aquilo a que, muitos de nós, chamariam um "Estado-Nação"?

Acima disto tudo, a bandeira consegue fazer aquilo que mais nenhum objecto foi capaz de fazer, o de ligar o mundo físico e o mundo metafísico, ao mesmo tempo que cria uma síntese pessoal dentro da mente de cada indivíduo no que diz respeito ao seu significado e uma síntese colectiva presente na quantidade de Humanos que se identificam com a bandeira daquilo a que chamam o seu "país". Se tivermos isto em conta, a bandeira é mais poderosa do que qualquer cruz/crescente, qualquer riqueza ou qualquer arma.

Será que isto é suficiente para explicar o sacrifício em nome da bandeira?

Ou podemos encontrar o fenómeno colectivo da morte pela bandeira nos nossos primórdios, nos tempos em que pouco mais éramos do que criaturas que deambulavam em tribos, cujas relações eram pautadas pela conflitualidade? Não será a bandeira uma forma moderna de legitimar o tribalismo na pior acepção da palavra? Estará um símbolo que os cidadãos vulgares consideram tão nobres, totalmente ao serviço de interesses ocultos que na lealdade [quer violenta, quer civilizada] vêem formas satisfazer os seus interesses? Terão estes argumentos estado na mente quer de românticos, quer de cínicos que nas décadas que se seguiram à Revolução Francesa, desenterraram, reformularam e forjaram mitos, lendas e crenças com séculos de existência e que levaram à formação de novos Estados, dentro e fora da Europa, que hoje consideramos como seguros na sua existência?

Hymne à la Beauté

Viens-tu du ciel profond, ou sors-tu de l’abîme
O Beauté? ton regard, infernal et divin,
Verse confusément le bienfait et le crime,
Et l'on peut pour cela te comparer au vin.
Tu contiens dans ton œil le couchant et l'aurore;
Tu répands des parfums comme un soir orageux;
Tes baisers sont un philtre et ta bouche une amphore
Qui font le héros lâche et l'enfant courageux.
Sors-tu du gouffre noir ou descends-tu des astres?
Le Destin charmé suit tes jupons comme un chien;
Tu sèmes au hasard la joie et les désastres,
Et tu gouvernes tout et ne réponds de rien.
Tu marches sur des morts, Beauté, dont tu te moques;
De tes bijoux l'Horreur n'est pas le moins charmant,
Et le Meurtre, parmi tes plus chères breloques,
Sur ton ventre orgueilleux danse amoureusement.
L'éphémère ébloui vole vers toi, chandelle,
Crépite, flambe et dit: Bénissons ce flambeau!
L'amoureux pantelant incliné sur sa belle
A l'air d'un moribond caressant son tombeau.
Que tu viennes du ciel ou de l'enfer, qu'importe,
O Beauté! monstre énorme, effrayant, ingénu!
Si ton œil, ton souris, ton pied, m'ouvrent la porte
D'un Infini que j'aime et n'ai jamais connu?
De Satan ou de Dieu, qu'importe? Ange ou Sirène,
Qu'importe, si tu rends, - fée aux yeux de velours,
Rythme, parfum, lueur, ô mon unique reine!
- L'univers moins hideux et les instants moins lourds?
Charles Baudelaire, 1860

4.3.05

Kafka, dentro e sobre nós

O estabelecimento de uma analogia entre duas situações nunca é uma matéria pacífica, principalmente se a analogia em causa estiver envolta em controvérsia ou se fora totalmente inesperada. O que eu vou em seguida fazer será concerteza alvo de algumas críticas mas eu vejo isso como uma reacção positiva, pelo simples facto de ter acontecido.

Já todos tivemos algum contacto com a obra de Franz Kafka, considerado por alguns como o escritor mais importante do Século XX. Embora não partilhe desta opinião, a obra de Kafka inclui-se no grupo largamente autónomo de obras que transcendem o papel em que estão escritas e que entram em contacto com os nossos pensamentos mais profundos, sem criar necessariamente algo de novo mas reformulando as nossas próprias ideias e contribuindo para uma nova interpretação do nosso consciente e subconsciente.
As marcas da obra de Kafka são de tal forma singulares que até convencionámos um termo para as designar, "kafkianas", aplicado a todas as situações reminiscentes do quadro pintado pelo escritor do início do século XX, do qual eu admito apenas conhecer três escritos mas que são, sem dúvida, representativos da obra do autor.
A primeira vertente da analogia, o seu lado kafkiano, está assim apontada, avancemos agora para a sua segunda vertente.
Quantas vezes já tivemos, nós, os Portugueses, sentido que o nosso país se encontra num autêntico labirinto, ou talvez até num túnel ou num corredor, de onde não conseguimos vislumbrar qualquer saída ou qualquer porta de transição para um estado mais elevado, capaz de confortar a nossa consciência e de nos fazer sentir bem com nós próprios? Por vezes incontáveis, senti que vivo num país onde existe uma pesada infraestrutura mental dentro das nossas cabeças e que é activada em situações-chave, capaz de desmantelar qualquer esforço progressista e de contribuir para a instalação de um clima geral letárgico e pessimista, criado pela interacção entre milhões de mentes condicionadas pela referida infraestrutura. Paralelamente, encontramos os indivíduos que tentam romper com esta autêntica teia invisível e avançar para um patamar seguinte, o ponto de não-retorno de Kafka, a partir do qual não é possível voltar para trás e o único caminho a seguir é o do progresso.
Porque temos nós uma tão pesada infraestrutura em cima, sempre pronta a disparar os seus alarmes quando a sua existência é posta em causa, colocada ao serviço de interesses maiores e capaz de condicionar um país de 10 milhões de habitantes? Não serei concerteza o único a achar que Portugal, a ser uma personagem literária, poderia ser Joseph K., o infeliz protagonista de "O Processo" de Kafka, rodeado por uma teia que se aperta cada vez mais em torno de si, até levar à sua própria morte por razões que o próprio desconhece. Embora a implosão do país não esteja em causa, pelo menos por enquanto, vou ser sincero e afirmar que temo este cenário, ao ponto de apontar a situação acima referida como um possível alerta para os Portugueses que não identificaram este cenário.
Vivemos nós num país Kafkiano? É bem possível que sim. É sem dúvida, pelo menos do meu ponto de vista, plausível colocar a frustração dos Portugueses ao mesmo nível que as personagens Kafkianas, envoltas em terríveis pesadelos que não lhes colocam qualquer saída possível ao seu inferno. Quantos de nós já pensámos, pelo menos uma vez, que vivemos num país que 'não existe', ou dito por outras palavras, num país que é demasiado surreal para existir. Vivemos num clima no qual cada indivíduo já sentiu nalgum ponto da sua vida pesados grilhões em torno de si, elos de uma corrente cujo início não conseguimos vislumbrar mas que sabemos estar omnipresente à nossa volta, pronta a fazer sentir a sua solidez quando nos tentamos libertar, para apenas julgarmos que a corrente é demasiado forte para ser quebrada.
Estaremos condenados a uma existência Kafkiana...? Irá Portugal ultrapassar a sua condição Prometaica/Kafkiana de personagem acorrentada, cercada e condenada? Iremos alguma vez ascender ao Olimpo, onde brilharemos juntamente com os outros deuses na sua divina glória?

3.3.05

Stockholm


Vista dos jardins da câmara municipal de Estocolmo

Uma cidade em perfeita harmonia entre a terra e as águas do Mar Báltico. Uma idade respeitável [quase 1000 anos de História] onde nos podemos perder por entre as estreitas ruelas que testemunharam séculos de acontecimentos que ainda vivem na nossa imaginação. Antiga, sem dúvida, mas onde a modernidade está sempre presente. Herdeira de um passado turbulento, todo ele pleno de sangue e glória, qual drama teatral, mas dona e senhora de uma paz magistral, convidativa e reconfortante. Descendente dos vikings mas capital de um dos países mais devotados à paz, onde a era Medieval se funde com a o iluminismo e o despotismo iluminado, onde as reminiscências do início do segundo milénio estão apenas a alguns segundos do período áureo do seu país. Pacífica na sua sumptuosidade e majestade mas viva nas suas gentes e visitantes, uma cidade histórica voltada para o futuro. Dos seus palácios, já foram comandados os destinos do Norte da Europa. Hoje tal não acontece mas a cidade nunca se perdeu, nunca se apagou, nunca se resignou e a sua essência resplandece orgulhosa em cada rua, em cada palácio, em cada recanto. É talvez uma cidade enfeitiçante de uma forma suave e, atrevo-me a dizê-lo, apaixonante, sem que nos arrependamos de percorrer os mesmos caminhos várias vezes, tal não é o seu encanto.

Posso afirmar com toda a sinceridade, nunca me deu tanto prazer conhecer uma cidade como Estocolmo...

2.3.05

E o que nos reserva o futuro?

O futuro à nossa frente apresenta-se, não negro como alguns podiam temer, mas antes "cinzento", ou talvez antes, indefinido. Quer para Portugal, quer para o Mundo.

Ainda não sabemos qual vai ser a composição do novo Governo e a este respeito apenas afirmo que concordo inteiramente com a decisão do PS em não largar nomes na praça pública antes que todos os lobbies [incluindo aqueles mesmo ridículos, do tipo, construtores-civis-corruptos-que-empregam-imigrantes-ilegais-e-que-os-despedem-sem-justa-causa-da-região-centro] possíveis e imaginários lhes caiam em cima, inundando-os de protestos e instaurando um clima de hostilidade ainda antes que o Governo tome posse. Afinal de contas, um membro do Governo apenas merece ser alvo de hostilidade antes da tomada de posse se o seu nome for, por exemplo, Alberto João Jardim...

Quanto ao Mundo, assistimos em Londres a uma conferência sobre o Estado Palestiniano, que contou com a presença entre outras figuras, de Condoleezza Rice e Mahmoud Abbas. Só o facto de esta conferência se ter realizado já é positivo, demonstra interesse e preocupação das partes envolvidas em lidarem com o problema do Médio Oriente de forma pragmática e a nova liderança Palestiniana indica uma forte sentido de compromisso para com o processo de paz. Apenas faço uma pergunta, onde estava o Governo de Israel? Podemos finalmente confirmar que Ariel Sharon está mais preocupado em satisfazer os ultra-ortodoxos do Knesset [embora não parecesse, tendo em conta as informações vindas de Israel anteriores à dita conferência] do que propriamente em participar activamente no processo de paz e talvez um dia vir a ser recordado por algo mais nobre do que o massacre de mais de 200 refugiados no Líbano em 1982?

Em Roma, o Chefe de Estado da Cidade do Vaticano encontra-se bastante debilitado o que fez rapidamente pairar o assunto da sua sucessão sobre a Praça de S.Pedro. Não sei quem são os candidatos mais prováveis mas espero sinceramente que o seu sucessor não seja o cardeal patriarca de Lisboa, José Policarpo. Se chegarmos à situação em que temos um Português à frente da igreja católica, durante os próximos anos vamos estar sob o olho vigilante da dita cuja e ficaremos sempre ligados ao estigma de sermos um país fortemente católico e "o país do papa"... Depois de quase trinta anos a tentar dar uma imagem de modernidade, esse factor podia arrastar-nos para trás de uma forma desastrosa.

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