4.3.05

Kafka, dentro e sobre nós

O estabelecimento de uma analogia entre duas situações nunca é uma matéria pacífica, principalmente se a analogia em causa estiver envolta em controvérsia ou se fora totalmente inesperada. O que eu vou em seguida fazer será concerteza alvo de algumas críticas mas eu vejo isso como uma reacção positiva, pelo simples facto de ter acontecido.

Já todos tivemos algum contacto com a obra de Franz Kafka, considerado por alguns como o escritor mais importante do Século XX. Embora não partilhe desta opinião, a obra de Kafka inclui-se no grupo largamente autónomo de obras que transcendem o papel em que estão escritas e que entram em contacto com os nossos pensamentos mais profundos, sem criar necessariamente algo de novo mas reformulando as nossas próprias ideias e contribuindo para uma nova interpretação do nosso consciente e subconsciente.
As marcas da obra de Kafka são de tal forma singulares que até convencionámos um termo para as designar, "kafkianas", aplicado a todas as situações reminiscentes do quadro pintado pelo escritor do início do século XX, do qual eu admito apenas conhecer três escritos mas que são, sem dúvida, representativos da obra do autor.
A primeira vertente da analogia, o seu lado kafkiano, está assim apontada, avancemos agora para a sua segunda vertente.
Quantas vezes já tivemos, nós, os Portugueses, sentido que o nosso país se encontra num autêntico labirinto, ou talvez até num túnel ou num corredor, de onde não conseguimos vislumbrar qualquer saída ou qualquer porta de transição para um estado mais elevado, capaz de confortar a nossa consciência e de nos fazer sentir bem com nós próprios? Por vezes incontáveis, senti que vivo num país onde existe uma pesada infraestrutura mental dentro das nossas cabeças e que é activada em situações-chave, capaz de desmantelar qualquer esforço progressista e de contribuir para a instalação de um clima geral letárgico e pessimista, criado pela interacção entre milhões de mentes condicionadas pela referida infraestrutura. Paralelamente, encontramos os indivíduos que tentam romper com esta autêntica teia invisível e avançar para um patamar seguinte, o ponto de não-retorno de Kafka, a partir do qual não é possível voltar para trás e o único caminho a seguir é o do progresso.
Porque temos nós uma tão pesada infraestrutura em cima, sempre pronta a disparar os seus alarmes quando a sua existência é posta em causa, colocada ao serviço de interesses maiores e capaz de condicionar um país de 10 milhões de habitantes? Não serei concerteza o único a achar que Portugal, a ser uma personagem literária, poderia ser Joseph K., o infeliz protagonista de "O Processo" de Kafka, rodeado por uma teia que se aperta cada vez mais em torno de si, até levar à sua própria morte por razões que o próprio desconhece. Embora a implosão do país não esteja em causa, pelo menos por enquanto, vou ser sincero e afirmar que temo este cenário, ao ponto de apontar a situação acima referida como um possível alerta para os Portugueses que não identificaram este cenário.
Vivemos nós num país Kafkiano? É bem possível que sim. É sem dúvida, pelo menos do meu ponto de vista, plausível colocar a frustração dos Portugueses ao mesmo nível que as personagens Kafkianas, envoltas em terríveis pesadelos que não lhes colocam qualquer saída possível ao seu inferno. Quantos de nós já pensámos, pelo menos uma vez, que vivemos num país que 'não existe', ou dito por outras palavras, num país que é demasiado surreal para existir. Vivemos num clima no qual cada indivíduo já sentiu nalgum ponto da sua vida pesados grilhões em torno de si, elos de uma corrente cujo início não conseguimos vislumbrar mas que sabemos estar omnipresente à nossa volta, pronta a fazer sentir a sua solidez quando nos tentamos libertar, para apenas julgarmos que a corrente é demasiado forte para ser quebrada.
Estaremos condenados a uma existência Kafkiana...? Irá Portugal ultrapassar a sua condição Prometaica/Kafkiana de personagem acorrentada, cercada e condenada? Iremos alguma vez ascender ao Olimpo, onde brilharemos juntamente com os outros deuses na sua divina glória?

1 Comments:

Blogger Padawan said...

Olá João! Tou bastante doente (considerando que é raro... levatar às 7 da manhã está a sugar-me anos de vida) e posso não er percebido bem, mas acho que Portugal não é kafkiano... tu, e todos os que concordam com a forma como colocas o pano de fundo sob as coisas que parecem superficiais (eu, por exemplo) é que são os Josef K.'s... especialmente os que tentam remar contra a corrente... eu estou mais apostado em alcançar a margem e cagar pr'ó rio... mas não é fácil...

08 março, 2005 17:48  

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