13.3.05

A República Islâmica e a bomba-A...

Estamos a assistir a um dos primeiros testes sérios da segunda administração Bush e da sua nova aproximação à Europa em nome das metas comuns que tanto os EUA e a União Europeia partilham. Após uma clivagem acentuada com a França e a Alemanha a propósito da guerra do Iraque em 2003, eis que em 2005, Washington e Bruxelas tentam chegar a uma voz única [embora com diferentes tons] no que diz respeito ao programa nuclear Iraniano.
Como já se sabe, no final da década de 1960, as cinco potências nucleares de então [EUA, URSS, Reino Unido, França, República Popular da China] instituíram um pacto entre si e convenceram o resto do Mundo a assiná-lo, para que todos os outros estados renunciassem à proliferação nuclear. Um estado que o tivesse assinado e que o violasse, entraria em desrespeito para com as normas e, pelo menos teoricamente, arriscaria sofrer sanções.
É este o pano de fundo da situação que actualmente se desenrola e cujos desenvolvimentos transitam entre Teerão e EUA&UE, a desconfiança por parte dos dois grandes blocos Ocidentais que a República Islâmica do Irão está a utilizar o seu programa nuclear não com fins civis, que Teerão afirma, mas sim com o propósito de fabricar armas nucleares, o que está proibido pelo Tratado de Não Proliferação.
Já sabemos o que é o Irão, certo? A República Islâmica que os EUA denominam como pertencente ao "Eixo do Mal", um país alvo de desprezo por parte dos Estados Unidos cuja memória deste estado traz sempre imagens do assalto à sua embaixada em Teerão e da tomada de reféns Americanos após o estabelecimento da República Islâmica, há 25 anos atrás. Será, na óptica da Casa Branca, um país "a evitar", alvo de sanções e cujo regime teocrático deve ser democratizado. Logo, de acordo com a lógica de Washington, se Teerão, que regurgita ódio anti-americano e fundamentalismo anti-ocidental, afirma que o seu programa nuclear tem fins civis, este deve necessariamente ter fins bélicos, porque o anti-americanismo e o apoio a organizações terroristas anti-americanas e anti-israelitas é um dos vectores da política externa Iraniana.
Afinal, porque haveria o Irão de tentar lançar um programa nuclear com fins civis quando dispõe de reservas petrolíferas tão vastas, suficientes para garantir a independência energética do país durante algum tempo? Aliado ao neo-conservadorismo dominante na Casa Branca no início do século XXI, esta justificação assente em aspectos logísticos [e lógicos, pelo menos para Washington] avança com a seguinte conclusão: a República Islâmica do Irão não é uma democracia, as suas intenções não são pacíficas, a sua política externa é agressiva e o seu objectivo é desenvolver armas nucleares que poderão ser utilizadas contra os EUA ou algum dos seus aliados ou ainda ser fornecida a grupos terroristas anti-americanos e anti-israelitas.
Com todo o respeito pelas concepções de segurança internacional de Washington, toda esta movimentação e tentativas de apaziguamento do Irão estiveram ausentes quando em 1998, a Índia e o Paquistão anunciaram orgulhosamente ao Mundo que tinham efectuado testes nucleares. Apesar do discurso oficial ter referido a imposição de sanções aos dois países, na prática não se levantou o que actualmente se verifica em Washington. O que seria mais perigoso para a paz mundial? O desenvolvimento de armas nucleares por parte de dois estados antagónicos e com um historial de conflitos entre si, sendo que um dos países [o Paquistão] é altamente instável, sujeito a golpes militares e com fortes movimentos internos de cariz fundamentalista? Ou o desenvolvimento de um programa nuclear que o Irão afirma ser civil, de um estado cuja retórica agressiva diminuiu de intensidade face aos anos do ayatollah Khomeini e que apresenta um regime político estável e consolidado?
Quais serão as informações que os EUA consideram como suficientemente credíveis para afirmar que o Irão pretende desenvolver armas nucleares como forma de aumentar exponencialmente o seu poder a nível regional e de se afirmar cada vez mais como contra-peso aos EUA no Mundo Islâmico? Por ventura vêm elas das mesmas fontes que tão convicta e seguramente afirmavam em 2002 e 2003 que Saddam Hussein tinha armas de destruição maciça e pretendia utilizá-las, no século XXI, contra os EUA e seus aliados e fornecê-las à al-Qaeda? Estará Washington a cometer um erro estratégico gigantesco ao colocar o Irão e o Iraque num mesma tipologia? Qual é a verdadeira dimensão da arrogância da administração Bush que os leva a raciocinar da forma "um país que se opõe à nossa influência irá necessariamente aliar-se a outro que também manifeste oposição contra nós"?
Desta forma, não será totalmente descabido conceber uma aliança entre a República Islâmica do Irão, teocracia cuja existência é baseada numa concepção islâmica da política e a Coreia do Norte, um estado de cariz Estalinista dinástico, despoletado pelo Marxismo-Leninismo Soviético tão desprezado por Teerão?
Os incentivos dados quer pelos EUA, quer pela EU, não parecem encontrar grande repercussão em Teerão, o que apenas contribui para reforçar a ideia já relativamente estabelecida que o seu programa nuclear não tem fins pacíficos. Porém, seria algo preocupante constatar que nos corredores do poder do Ocidente, ninguém tenha ainda chegado à conclusão que Teerão está a cumprir os desígnios que qualquer estado cumpre, está a velar pelos seus interesses e a aplicar a raison d’état à sua política interna e externa. Qual seria a credibilidade do Irão se abandonasse pura e simplesmente um programa nuclear [se este for pacífico, claro está] porque Washington e Bruxelas a aliciaram para o fazer, através do levantamento das sanções à importação de componentes aeronáuticos e dos obstáculos à entrada do Irão na OMC?
Estou convencido que já terão chegado a esta conclusão, principalmente em Washington. Contudo, as suas ideias monolíticas sobre o Irão estão de tal forma enraizadas na mentalidade política Americana que parece inconcebível que a República Islâmica do Irão adopte um procedimento perfeitamente lógico em política internacional: salvaguardar a independência e a credibilidade.
Arrisco afirmar esta pequena síntese: não estará o Irão, partindo do pressuposto que o seu programa nuclear tem fins pacíficos [qualquer estado chega facilmente à conclusão que uma arma nuclear não é um auxiliar político no século XXI e que a bomba-A hoje não é nenhum garante de prestígio] a admitir que o recurso a hidrocarbonetos pertence ao século XX e que a degradação ambiental que ameaça o planeta deve ser respondida com medidas estruturais e não pontuais, que passam com toda a certeza pelo recurso a fontes de energia além das tradicionais carvão/petróleo/gás natural?
Estou perfeitamente consciente que o Irão não é o primeiro, nem o segundo país que nos lembramos quando pensamos em respeito pelo meio ambiente e em desenvolvimento sustentável em harmonia com a natureza, principalmente numa região com um panorama ambiental tão degradado como o Médio Oriente, mas estou também certo que uma dos responsáveis pela conflitualidade latente que existe entre um número importante de estados hoje em dia provém da autêntica veneração de ideias monolíticas que os poderes políticos têm uns dos outros, recusando-se a observar além do que crêem como absolutamente dogmático. Para a administração Bush, o Irão é um perigoso regime terrorista e enquanto a República Islâmica existir, a sua ameaça é real.
Suponho assim que a Arábia Saudita e o Paquistão não constituem nem irão constituir qualquer fonte de perigo para o Ocidente...

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