10.8.08

Geórgia e Rússia - continua...

A Rússia já demonstrou que não permite qualquer contestação à sua influência no Cáucaso - após rejeitar pedidos de contenção por parte dos EUA e da UE, a acção militar russa atingiu o aeroporto de Tbilissi e impôs um bloqueio naval à Geórgia, de forma a evitar o fornecimento de armas por via marítima.
A Geórgia, por sua vez e após ter percebido que nenhum país ocidental iria arriscar perder uma única vida que fosse por sua causa, iniciou uma retirada - a medida mais racional quando se é o único país a combater contra a Rússia - e apelou a um cessar-fogo, alegando já ter cumprido a condição de retirada da Ossétia do Sul. Não sabemos se de facto todos os soldados georgianos já foram retirados da Ossétia do Sul, mas a Rússia não parou com os ataques a alvos dentro da Geórgia.
Já se tornou óbvio que não existe qualquer racionalidade ou sequer, o mais pequeno princípio de honra nesta situação. A Rússia, como país de projecção global que é, não quer que o Mundo a veja perder influência no seu "estrangeiro próximo", por isso tem patrocinado, nos últimos 17 anos, separatismos violentos em vários ex-membros da URSS. Isso já sabemos.
Que a Rússia mantém uma missão de "manutenção da paz" na Ossétia do Sul, também o sabemos. O que não sabemos é se alguém respeitável na comunidade internacional contesta a legitimidade dessa missão de "manutenção de paz". Uma missão de manutenção de paz, pelo menos de acordo com as que são implementadas pelo Conselho de Segurança da ONU, não tem como deveres apoiar, armar e financiar separatistas, tal como não tem como dever utilizar membros que não pertencem à força de manutenção da paz e bombardear alvos militares e civis fora do âmbito da sua missão.
A Rússia está a mostrar-nos que mais ninguém lhes vai fazer o que a Tchetchénia fez - esta proclamou a independência e os seus principais activistas recorreram a métodos terroristas que passavam pelo homicídio de civis inocentes; em resposta, a Rússia com a sua legitimidade estatal e para afirmar que quem detém o monopólio da violência é o estado, destruiu a Tchetchénia toda e arrasou a capital; pode ter acabado com alguns dos criminosos que cometeram atrocidades contra civis, mas destruiu a vida de milhares de civis que não cometeram quaisquer crimes.
Desta vez com a Geórgia, a Rússia está a demonstrar que este país não vai pôr em causa o seu poder fora das suas fronteiras no "estrangeiro próximo" - nem que para isso tenha que destruir a vida de milhares de pessoas na Geórgia.
O que acaba por ser mais absurdo é a forma como qualquer tentativa de chamar à razão quem detém o maior poder de acabar com este conflito [ou seja, a Rússia, que foi quem o criou] é recebida com objecções completamente infantis - afinal, os EUA não podem criticar ninguém porque também já interferiram nos assuntos internos de outros estados. É assim que a Rússia reage quando de Washington vêm tentativas de apaziguamento e avisos quanto ao perigo que a intervenção russa pode desencadear, uma vez que os EUA estão envolvidos em duas guerras no Afeganistão e no Iraque [e uma vez que a Rússia se opôs a estas invasões, não por motivos humanitários mas para afastar os EUA da sua esfera de interesses] e isso impede-os que alguém os leve a sério.
Sabemos que atingimos um ponto muito baixo quando as chamadas "elites" de alguns dos países mais importantes do mundo se vêem reduzidas a argumentos de escola primária, na linha de "eu posso fazer, tu também fizeste" - faz-nos pensar afinal para que raio servem a civilização, a honra e os princípios se só estamos à espera que o outro cometa um acto condenável de forma a legitimar o nosso. "Eles mataram civis? Vamos fazer a mesma coisa!" Sempre ouvi dizer que duas acções erradas não fazem uma certa e se a Rússia se opôs à independência do Kosovo mas apoia os separatismos de outros territórios onde também existem milícias armadas, então Moscovo não tem mais legitimidade moral do que Washington - afinal, parece que não houve assim tanta coisa a mudar com o fim do período bipolar.
Entretanto, está a preparar-se um novo cenário igualmente perigoso  - os separatistas da Abecázia, apoiados por militaress russos [quem mais?], iniciaram uma ofensiva contra as forças georgianas nas imediações daquele território. Depois de uma acção muito mal calculada na Ossétia do Sul, seria completamente ridículo [para não dizer quase impossível] que a Geórgia tentasse retomar o controlo sobre a Abecázia - estaremos então, a assistir a uma guerra preventiva da Rússia sobre a Geórgia, para garantir que depois da Ossétia do Sul, ela não tentará pôr novamente em perigo os interesses russos na região? Guerra preventiva...não faz lembrar nada?

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1 Comments:

Blogger de.puta.madre said...

Ouupss Obrigada por teres aparecido(!!) com tanta informação e tão bem alinhada ... melhor que andar a ler o El País.
Vale!

11 agosto, 2008 02:49  

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