21.3.05

"...falta cumprir-se Portugal"

A vitória obtida pelo PS há um mês coloca um peso quase titânico em cima do executivo liderado por José Sócrates. A expressividade dos resultados não deixa margem para justificações relacionadas com estabilidade política ou desentendimentos no que diz respeito ao debate no Parlamento e colocam o XVII Governo Constitucional numa posição simultaneamente privilegiada e bastante vigiada, quer pela opinião pública, quer pelas outras forças políticas, para cumprir o seu programa.

Àquele que me parece ter sido o tema preferido por Sócrates durante a campanha, o "choque tecnológico", foi acrescido um outro, que surge como uma natural precedência deste, o "modelo Finlandês" de desenvolvimento. Parece que finalmente uma parte da nossa classe política tomou consciência de que Portugal não estava a seguir um modelo de desenvolvimento adequado a um país Europeu do século XXI e inspirou-se no modelo adoptado pelo país mais competitivo do Mundo.
Nada de censurável, pelo contrário, apenas louvável, tendo em conta o país que é a Finlândia. No entanto, e aqui já entro no campo da minha própria especulação, eu espero que as mentes por detrás desta decisão tenham plena consciência daquilo a que se propõem fazer. Se no âmbito tecnocrático, o "choque tecnológico" já é bastante difícil de concretizar num país como Portugal, o "modelo Finlandês" deve ser visto como um exemplo a ter em conta e auxiliar na formulação de ideias mas não uma cartilha ou um código, como alguns o apresentam.
Será uma lacuna grave a falta de conhecimento dos estrategas do PS no que diz respeito à aplicação do modelo Finlandês no seu próprio país. Cada modelo de desenvolvimento é resultado do ambiente que o estimula e como todos nós sabemos, não há países idênticos. Podem existir semelhanças entre países, sem dúvida, mas não há países idênticos, nem realidades ou contextos socio-económicos idênticos.
Para atingir o nível de desenvolvimento, inovação e competitividade que a Finlândia hoje possui, não basta aumentar o investimento público e privado em novas tecnologias – a simples aquisição de tecnologia para que esta seja aplicada às actividades económicas Portuguesas não preenche metade das lacunas de Portugal neste âmbito – que provenham de outros países e mediante a aplicação de know-how de fora de Portugal. A intervenção necessária no sector educativo – também prevista pelo governo de Sócrates – é absolutamente urgente mas não podemos fazer previsões rigorosas para um sector cujos resultados se tornam visíveis ao fim de dez anos.
Um mal recorrente da sociedade Portuguesa desde há tempos imemoráveis é a total responsabilização do Governo pelos acontecimentos – geralmente negativos – que ocorrem no país. Aconteça o que acontecer, a culpa é do Governo, será isto uma reminiscência do salazarismo, em que um homem detinha um poder exponencialmente maior do que a actual figura do Primeiro Ministro?
Seja como for, uma estratégia de desenvolvimento como aquela a que o XVII Governo se compromete, não pode estar dependente apenas do poder executivo. É óbvio que este detém uma grande responsabilidade na sua elaboração e aplicação, mas num país democrático como Portugal onde existe liberdade política e vigora uma livre economia de mercado, a inovação e o desenvolvimento não podem estar unicamente concentrados num vector chamado Governo, enquanto o sector privado se desresponsabiliza das suas funções económicas e sociais, como tão frequentemente vemos acontecer pela via das falências de empresas, sobretudo do sector têxtil, cuja incompetência dos seus quadros superiores as tornou obsoletas e anacrónicas no contexto de um país da União Europeia.
Nada exprime melhor esta premissa do que a posição recentemente tomada pelos empresários têxteis contra a liberalização da circulação dos têxteis Chineses e o consequente pedido por parte dos empresários dos têxteis de aplicação de uma cláusula de salvaguarda para evitar que os têxteis Portugueses deixem de existir devido à concorrência dos Chineses. Não seria uma atitude mais inovadora questionarem-se sobre o que terão os empresários feitos nos últimos anos para se encontrarem numa posição tão frágil, em que um país com níveis salariais dez vezes inferiores e com escassos meios de protecção laboral está prestes a ultrapassar um estado membro da União Europeia?
Voltando à questão do "modelo Finlandês" – sem que esta esteja afastada do conteúdo dos dois últimos parágrafos, muito pelo contrário – gostava de saber se alguém com bom senso informou os estrategas do PS sobre a necessidade de acabar com o sigilo bancário e o sigilo fiscal. Acerca deste assunto, o programa de Governo constata o seguinte: "Adoptar um regime igual às melhores práticas europeias, nomeadamente em matéria de sigilo bancário para efeitos fiscais. " Para o cumprimento deste objectivo, o programa indica um prazo de 180 dias.
Estará o Governo consciente de que em Portugal, talvez mais do que em qualquer outro país Europeu, a legislação é 50% decorativa? Estará o Governo preparado para assumir medidas não só de carácter tecnocrático mas do foro cultural e cívico, juntamente com a sociedade civil, para a criação de um "modelo Português" que pode com toda a certeza ser de inspiração Nórdica mas que não o pode copiar na íntegra?
Os cidadãos aguardam, mas não passivamente, pelo menos este cidadão irá tentar que assim seja.

1 Comments:

Blogger Padawan said...

Hmm, quebrar o sigilo bancário e fiscal é importante, mas não é assim tão fácil. É um facto: virtualmente todos os cidadãos culpam o governo por tudo o que de mau aconece (o que chamaria em Psicologia de locus de controlo externo). É um aspecto da mentalidade dos elementos da nossa sociedade, mas é, como tu apontas, muito falacioso. Não existe um sentido colectivo de cooperação para o bem comum, e "todos", por si e pelos seus amigos, estão apostados em encontrar meios de fugir às leis (para não falar da moral). Por esta razão é que somos um dos países com mais leis. Se houver sentido cívico, 37 artigos chegam para reger todo o ramo da função pública (Suécia). A este respeito, lê o post do HA sobre a Finlândia no Ykê?. O que nos traz à questão da educação... 10 anos? Pensaste bem nesse número? Não serão mais tipo 20/30? Isto considerando que a reforma é profunda? É necessário alterar marcadamente a formação de professores, as estruturas e métodos de ensino (mais baseados na ciência da aprendizagem e menos na "cartilha de João de Deus". Formação aos "velhos" professores para acelerar o processo. Os resultados estariam à vista quando aqueles que entrassem no sistema de ensino 5 anos após esta reforma (que envolveria cientistas idóneos e não concepções políticas) se iniciar começassem a trabalhar. E disse pouco.

31 março, 2005 18:04  

Enviar um comentário

<< Home


Click Here