30.1.05

Demos Kratia!

Brevemente, durante o mês de Março, vai ser inaugurado um novo espaço de diversão na cidade de Lisboa. Para quem se diz farto desta cidade, este espaço vai verdadeiramente revolucionar a indústria do entretenimento na capital Portuguesa e colocar de uma vez por todas a cidade de Lisboa na rota das grandes capitais Europeias.

Em Março vai ter lugar a inauguração da discoteca diurna [uma grande inovação no sector, diga-se] Demos Kratia, num espaço de grande beleza composto por um edifício sumptuoso onde não falta História e Património nacional. Na zona de S.Bento, mais ou menos entre o Largo do Rato e a zona de Santos, este espaço de grandes dimensões vai permitir aos seus frequentadores um período de diversão com uma dimensão temporal considerável de quatro anos e com acesso a divertimentos inimagináveis nos mais comuns estabelecimentos de diversão da capital. Sítios como o Kremlin, a Lux, a Kapital e por aí fora estão completamente ultrapassados, em breve vão ser engolidos pela Demos Kratia!

Por outro lado, a entrada na Demos Kratia é extremamente selectiva e restrita. Diferente dos critérios comuns aplicados pelos porteiros de discoteca, neste caso o critério é a discriminação regional, sendo concedida uma ligeira vantagem [ou será que não] a potenciais clientes vindos das regiões do interior com menor população. Assim, a entrada da Demos Kratia processa-se através do cumprimento de um limiar mínimo de autorizações concedidas pela população do distrito do referido cliente e a entrada processa-se através de sufrágios e não de numerário, apenas uma diferente terminologia para um modo de funcionamento semelhante. De notar que a lotação é muito limitada para um edifício daquelas dimensões, pois num período de quatro anos, apenas 230 pessoas podem usufruir do entertenimento proporcionado pelo estabelecimento. Contudo, isto não é absoluto e é permitida a permuta directa com outros indivíduos.

Apesar da dificuldade em entrar [os potenciais clientes têm de estar organizados por listas, a Demos Kratia é revolucionária em todos os aspectos da diversão!], uma vez lá dentro, os clientes têm acesso, durante quatro anos, a divertimentos múltiplos inimagináveis para os que não frequentam o espaço. Mais do que uma vulgar discoteca, a Demos Kratia oferece aos seus frequentadores a possibilidade de serem alguém importante e reconhecido! Frequente a Demos Kratia e transforme-se numa figura influente do panorama nacional! Se o mediatismo não lhe agrada, não há qualquer problema! Pode simplesmente descontrair nas confortáveis instalações do edifício, onde pode usufruir de um requintado restaurante, admirar a arquitectura do edifício ou simplesmente conversar com os outros frequentadores, tão fascinados como qualquer um que se encontre dentro do espaço. Pode até passar pelas brasas, os lugares sentados são óptimos!

Mas o melhor ainda está para vir. Na Demos Kratia, consumo mínimo é coisa que não existe! Os frequentadores deste espaço não têm que se preocupar com o custo das suas actividades, pois estas encontram-se cobertas pela entidade patrocinadora do espaço, a "Estado Português S.A.", uma sociedade anónima composta por 10 000 000 de accionistas cujo contributo anual permite o extravagante e inovador funcionamento deste espaço. Não se preocupe em conceder dividendos aos accionistas, tratam-se de indivíduos com outras preocupações de maior, cuja atenção raramente recai no funcionamento da Demos Kratia. Graças ao referido patrocinador, os seus frequentadores têm quatro anos de diversão e entertenimento garantidos, dispondo ainda de um excelente regime de protecção contra processos criminais. Aproveite e comece a juntar para aquele saco azul com que tem sonhado ultimamente, ou então tire aquelas férias à Polinésia Francesa que sempre teve em mente! As despesas estão integralmente cobertas pelo patrocinador!

"E o espaço tem condições de segurança?", pergunta o consumidor. Claro! Aliás, o sistema de segurança é tão bom e tão avançado, que as inspecções nem sequer entram no local, pois já sabem que nunca encontrariam ireegularidades! Ocasionalmente, é permitido à comunicação social documentar o interior do espaço, nomeadamente as actividades mais divertidas, as discussões! Quando a transmissão televisiva chega [a melhor publicidade possível ao espaço] os nosso frequentadores põem em prática os seus dotes teatrais [sim, a Demos Kratia também dispõe de um grupo de teatro para os seus 230 frequentadores!] para que os milhões de telespectadores Portugueses possam deleitar-se e sentir-se atraídos para a frequência deste espaço!

Mas seja rápido! A inauguração é em Março mas é necessário validar a sua inscrição até ao dia 20 de Fevereiro! Não se esqueça de incluir o seu nome numa lista que lhe permita acesso ao espaço. Por enquanto apenas cinco listas conseguiram colocar consumidores neste espaço mas o dia 20 de Fevereiro pode significar uma mudança! Altere a sua vida para sempre e oriente-se para a entrada na Demos Kratia! A satisfação é garantida!

20.1.05

Janus

Hoje George W. Bush toma posse, iniciando o seu segundo mandato à frente dos E.U.A. Isso já se sabe e pouco tem a comentar que não tenha já sido dito nas eleições de 2 de Novembro.

O que me chamou a atenção não foi propriamente o aparato da cerimónia, nem o discurso que Bush irá fazer - de certeza que não irá ser diferente dos outros - mas sim as afirmações da nova Secretária de Estado, Condoleezza Rice no Senado, aquando da sessão de perguntas que foi feita pela comissão das relações externas daquela instituição legislativa Americana.

A propósito da política externa Americana, Condoleezza Rice referiu-se a seis países que considera como antros de tirania e apontou concretamente Cuba, Bielorússia, Zimbabwe, Irão, Myanmar e Coreia do Norte sem no entanto avançar se estariam planeadas acções contra estes Estados.

Ora, estes países foram incluídos na "lista negra" que eu fiz há uns meses atrás de países que na minha opinião, precisavam de uma mudança de regime. Que eles são antros de tirania, sem respeito pelos direitos humanos e onde os valores democráticos são pura e simplesmente ignorados, não é novidade nenhuma, até aqui estamos de acordo. O ponto de fractura surge simplesmente aqui: nenhum dos países apontados pela Secretária de Estado tem uma postura pró-Americana no cenário internacional. Posso assim dizer que isto é juntar o "útil" ao "agradável", ou seja, são regimes autoritários (ponto a favor) e não são pró-Americanos (joker!), logo, são altamente suceptíveis de serem incluídos não num "Eixo do Mal", mas, porque Rice é infinitamente mais inteligente que Bush, numa "lista de assuntos urgentes" (e estas palavras são minhas).

Uma lista de regimes autoritários aplicando o critério oficial que a Secretária de Estado usou quando fez aquelas declarações teria forçosamente de incluir a Arábia Saudita (o Estado mais fundamentalista do Mundo), o Uzbequistão, o Turquemenistão e a Indonésia (que apesar de ter revelado uma fachada mais democrática, ainda tem umas grandes reminiscências da era Suharto). Simplesmente, estes países não foram mencionados devido à sua postura pró-Americana. Vejamos: a Arábia Saudita ainda é o maior aliado dos EUA no Mundo Árabe, representa uma fonte gigantesca de investimento na economia Americana e a ligação de Washington a Riyadh é quase promíscua; o Uzbequistão e o Turquemenistão, apesar das sistemáticas violações dos direitos humanos dentro das suas fronteiras, colocaram-se ao lado dos EUA após os atentados de 11 de Setembro, o que inplicitamente lhes conferiu carta branca para exercerem a sua repressão sobre todos os que consideram "terroristas", uma classificação susceptível de ser aplicada a um democrata-liberal; a Indonésia, continua a ser uma boa amiga dos EUA e os seus problemas de separatismo interno (alguns dos quais envolvendo radicais islâmicos) mantêm-na nas boas graças de Washington, Timor-Leste foi só um episódio de um Estado artificial, militarmente coeso por um regime autoritário que congrega mais de 16 000 ilhas em torno de um poder central, há ainda que referir os casos mais mediáticos de Aceh, de Irian Jaya e das ilhas Molucas, sobre os quais sabemos muito pouco.

Todos nos lembramos que a administração Bush sempre pregou "valores morais" durante o seu primeiro mandato e os ditos "valores morais" foram uma das causas da sua reeleição, pelo menos assim indicaram os eleitores Americanos. A moralidade com que Rice apontou a referida lista será sem dúvida uma amostra da moralidade que podemos esperar da Casa Branca ao longo dos próximos quatro anos. Não constitui surpresa para ninguém, é certo, mas as diferenças entre Bush e Rice devem objecto de ponderação. Afinal, a Secretária de Estado planeou a guerra do Iraque e conseguiu sair com a reputação intacta e a própria antevisão que fez da política externa Americana para os próximos quatro anos - que iria passar por uma abordagem mais multilateral e que seria colocado maior ênfase na diplomacia - deixa prever, pelo menos na minha simples opinião, que teremos até 2008 uma diplomacia multi-lateral ao serviço da agenda Bush. Até aqui tivemos o mais simples, que foi a acção unilateral, agora vamos ter o mais complexo, o multilateralismo cumprindo a mesma agenda que o anterior unilateralismo. Ou seja, a nova administração Bush vai tentar fazer uma operação de maquilhagem à sua política externa, servindo-se de uma máscara multi-lateral e recorrendo ao diálogo com outros parceiros para cumprir, genericamente, as mesmas linhas de orientação que pautaram a política externa Americana de 2000 a 2004, ou melhor, de 2001 a 2004, porque até 11 de Setembro de 2001, a política externa Americana quase não existia...

15.1.05

Titã 2005

Quase oito anos depois de lançada, a dupla Cassini-Huygens chegou à órbita de Saturno e recebemos as primeiras imagens da superfície de Titã, a maior lua do planeta. A fronteira externa da Humanidade extende-se a limites cada vez mais longínquos e embora este ainda seja o único planeta onde sabemos ser possível o desenvolvimento de vida à escala Humana, a cada ano que passa sabemos cada vez sobre corpos tão distantes mas ao mesmo tempo, não tão diferentes do nosso. Titã, uma lua fustigada por ventos superiores a 500 km/h e com uma superfície caracterizada pela abundância de lagos de metano, é um mundo semelhante à Terra, há 4 mil milhões de anos, sendo possível tirar uma série de ilações sobre a nossa própria origem, e não me refiro apenas à Humanidade.

Apesar da sonds Huygens apenas ter aguentado cerca de duas horas na superfície de Titã, a informação que ela transmitiu vai ser vital na compreensão desta lua e concerteza na da nossa própria evolução. Os custos da missão podem parecer astronómicos (mais de 1500 milhões de dólares) mas o progresso da Humanidade não tem preço, e a nossa evolução passa não só pelo tratamento que damos ao nosso próprio planeta, como pela compreensão dos mundos que nos rodeiam, cuja distância até nós não é assim tão grande como julgamos. Há apenas 50 anos atrás, tal missão seria inimaginável, há 25 anos seria quase impossível, hoje é uma realidade e se tivermos em conta que o género Humano existe há cerca de 2 milhões de anos, encontramo-nos numa era em que o impossível de hoje é a realidade de amanhã (às vezes, esta premissa aplica-se sem qualquer metáfora) e é bem provável que em breve (que é como quem diz, daqui a 100 anos) estejamos não num degrau acima, mas num nível exponencialmente superior ao actual.

É por isto que eu considero que a exploração espacial não é apenas uma possibilidade interessante e entusiasmante, é sim um dever de todos nós, de todos os Humanos, de todos os Estados (que afinal são formados por Humanos...) absolutamente necessária à nossa própria compreensão.

7.1.05

"Os populares"

Cada país tem as suas características que o tornam único no mundo e que o diferenciam dos outros, embora já saibamos que não os devemos distinguir por comparação mas sim por motivos mais dinâmicos. Tal acontece porque as circunstâncias são diferentes em toda a parte e as pessoas acabam também por ser diferentes, por motivos que simplesmente não têm lugar aqui.
Tudo isto já sabemos. Gostava assim de me debruçar sobre uma das características dos Portugueses, ou melhor, de parte dos Portugueses, visto que apenas uma parte se pode incluir nisto e que é possível de vislumbrar todos os dias - apesar de eu a considerar como uma características dos Portugueses, isto não significa que noutros países não se passe a mesma coisa, isto provém apenas de eu achar esta característica extremamente folclórica.
Ora bem, quantas vezes é que ao vermos uma reportagem em qualquer canal de televisão Português, temos uma autêntica comitiva de cidadãos anónimos atrás e à volta do jornalista e que se riem, dizem adeus, protestam, olham com reprovação, coçam-se, e por aí fora? Eu diria que eu quase todas as ocasiões possíveis, e isto acontece em todo o tipo de acontecimentos, onde se incluem manifestações, jogos de futebol, notícias do quotidiano, acidentes, etc. Temos sempre no cenário uma multidãozinha a expressar a sua alegria, indignação, fúria, espanto...e se por acaso o jornalista dirige a palavra a algum dos cidadãos anónimos que dela fazem parte, ficamos muitas vezes a saber a ignorância dos ditos.
É talvez por ser uma característica tão comum dos cidadãos anónimos Portugueses de tentarem meter-se todos num local onde possam ser filmados por uma câmara de televisão que eu considero isto mais do que um comportamento a ridicularizar - imaginem que a família toda está no local, quem é que os vai ver no écran?? - chega a entrar no sector do folclore Português contemporâneo, sim porque o folclore é mais do que ranchos populares e tradições dessas, em muitos países desenvolvidos diz-se que a tradição perdeu-se completamente, em Portugal não! O folclore Português nunca morreu! Actualizou-se, isso sim! E é por ser afinal de contas uma celebração folclórica que os media escolheram essa designação tão curiosa, tão profunda para caracterizar os cidadãos anónimos que espontaneamente realizam estas actividades, "os populares"! Não há reportagem televisiva (principalmente em directo) em que não haja uma referência aos "populares", os ditos cidadãos anónimos que não têm mais nada que fazer e se reúnem à volta do Tribunal da Boa Hora, por exemplo, para poderem deitar uma olhadela aos arguidos e ainda, símbolo do estatuto supremo, debitar algumas palavras para a televisão. E como isto é folclórico! Basta ouvir o seu rico discurso, a transbordar da mais pura tradição Portuguesa, onde se incluem verdadeiras pérolas linguísticas, das quais eu destaco: "Ora portantos, eu acho isto mal!", "Isto que se passa aqui, é uma pouca vergonha, isto era apanhar aqueles gajos todos!", "Eu tava aqui só a ver o movimento, não é? E então ouço um estrondo daquele lado, e aqui a minha mulher é que viu tudo, não foi Maria?", "Ninguém quer saber de nós. Nós já dissemos o que queríamos e agora gostávamos era que...prontos, alguém nos ouvisse não é?" Note-se o uso abundante das expressões populares "prontos", "portantos" e "não é?", expressões que fazem parte do riquíssimo património da língua Portuguesa e que eu já temia terem sido apagadas do folclore Português. É assim que "os populares" mantêm vivas as tradições Portuguesas, aquelas que nós já temíamos terem desaparecido mas que afinal continuam vivas dentro de um grande número de Portugueses, de norte a sul do país, ilhas incluídas e de todas as idades.
É por estes motivos que o Presidente da República devia condecorar "os populares" por serviços prestados à cultura Portuguesa, pois se hoje podemos dizer que temos um folclore que ultrapassa a camada para turista ver, é graças aos "populares"! Obrigado "populares", acho muito bem o que vocês fazem, prontos!

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