30.4.05

O que somos nós?

Como qualquer outra cultura que se digne ao estatuto de definir uma nacionalidade e que pretenda aspirar à formação e manutenção de um Estado próprio, a cultura Portuguesa é dinâmica e passou por várias transmutações.

Actualmente, apesar de estarmos no século XXI, continuamos agarrados ao estigma cultural mais estupidificante e abominável da Europa Ocidental. Pelo que eu depreendi dos conceitos mais comuns e menos académicos de cultura Portuguesa, para que eu me pudesse integrar nesta construção teria de corresponder, pelo menos em parte relevante, ao seguinte protótipo:
- ser católico, é condição fundamental para um Português! Quanto ao cumprimento dos preceitos, isso já é menos relevante, visto que poderia apenas ir a uma igreja uma vez por ano
- tendo em conta a minha idade, ainda não estou em fase de desenvolver uma barriga de vinho tinto, coiratos, bifanas [de notar que o Microsoft Word não conhece as palavras "coiratos" nem "bifanas", isto é muito desrespeitoso para Portugal!] e sardinhas assadas, mas estou em idade de passar os fins de semana num qualquer buraco por onde sai um som idiota que faz toda a gente na sala começar a contrair uns espasmos suavizados. Tradução: deveria passar os fins de semana numa discoteca, perdão, na night, assim é que se diz em bom Português, a dançar uns produtos de plástico versão áudio que um Humano sem qualquer capacidade artística acrescentou um batida primitiva e capaz de arrastar hordas de Humanos para esses espaços onde se larga um dinheirão para passar um grande secão. Normalmente esses produtos áudio são acompanhados por vozes de língua castelhana ou portuguesa com pronúncia brasileira, mas isto não impede que não as haja noutras línguas. Em 2004, o romeno tornou-se uma delas...
- estar filiado numa "jota", de preferência JS ou JSD, porque todos os Portugueses sabem que para nos safarmos [conceito quasi-místico que na prática reflecte uma situação em que um indivíduo se encontra num emprego no qual recebe um pagamento avultado e com um estatuto que lhe permite elevar-se acima da ralé, cujos benefícios incluem o papel de variável perturbadora do sistema, para pior...] temos de ser membros de uma jota, para quando crescermos podermos ser como o sôtor presidente da câmara lá do sítio!
- ser uma criatura perfeitamente misógina para quem, apesar da capa de modernidade que o consumismo trouxe nas últimas décadas, uma mulher não é uma pessoa que gostaria de ter em posição de vantagem sobre mim, quer na vida privada, quer na vida pessoal.
- ainda a propósito do género feminino, a partir de uma certa idade é culturalmente correcto referirmo-nos à namorada/esposa como "a patroa", justamente para reflectir essa posição de vantagem que ela detém e que não nos agrada nada: eu nunca ouvi a expressão "patrão" com uma conotação positiva, porque é que "patroa" haveria de a ter?

- ser adepto de um clube de futebol, desde que este seja o SL Benfica, o Sporting CP ou o FC Porto, mesmo que não se perceba nada de futebol, não interessa.
- quando temos carro, devemos sempre estacionar ou em cima do passeio, ou se não for possível, o mais aproximado de perturbar a circulação dos transeuntes. Eu não tenho carro, por isso apenas posso dizer "paciência" para mim próprio. Se por acaso for atropelado quando estava a contornar um carro no passeio, enfim, lá se vai andando! [expressão simples mas totalmente unificadora da metafísica do povo Português desde há uma grande quantidade de décadas!]
- ao marcar um compromisso, devemos dar sempre uma margem de manobra mínima de 30 minutos [a máxima vai até 2 horas], visto que, se o[s] indivíduo[s] com quem nos vamos encontrar partilhar[em] a cultura Portuguesa, também é provável que o faça[m]! Afinal de contas, o que é que são 40 minutos de atraso? Já olharam para as infraestruturas Portuguesas? Estão atrasadas muito mais de 40 minutos!
- desenvolver uma percepção única do seu país e da sua nacionalidade. Esta complexidade dualista, qual Yin-Yang da cultura Portuguesa expressa--se numa superiorização face a qualquer outro país no que diz respeito a determinados assuntos [nesta categoria encontram-se: clima, mulheres, homens, comida, bebidas, simpatia, capacidade de desenrascanço, esperteza saloia] e numa inferiorização doentia no que diz respeito a outras categorias [a saber, ordenados e pagamentos, qualidade de vida, infraestruturas, ou melhor, estradas, que representam 90% das infraestruturas que os Portugueses conhecem, serviços públicos, governação, nível da intelligentsia].
- ainda em ligação com o aspecto anterior, desprezar o pior que Portugal tem quando rodeado por compatriotas e explodir de fúria quando a mesma coisa é afirmada por um estrangeiro, mesmo que ele esteja coberto de razão. Afinal, porque carga d’água há de um Japonês vir-nos dizer que não somos suficientemente competitivos?? Se não gostas volta para a tua terra! E porque há de um Sueco dizer que o Estado Português não aplica a receita fiscal de uma forma correcta?? Se não gostas volta lá para o frio do teu país e não chateies, mas o que é isto?!
- no que diz respeito à democracia, o Português é fervoroso na defesa do 25 A e a apregoar a queda do fascismo [engraçado, visto que este exerceu o seu poder em Itália, entre 1923 e 1945], para depois cuspir na face do sistema democrático e defender a pena de morte, as cargas policiais sobre manifestações pacíficas, a formação de milícias populares contra um suspeito de um crime socialmente inaceitável [não tem de ser culpado], subornar um agente da autoridade e defender o sistema de ensino do Estado Novo, visto que no tempo do shôtor Oliveira Salazar é que se aprendia.
- ainda em relação à política, deveria afirmar que eles são todos iguais e que eu não sou como eles, mas que devido ao sistema que eles impõem, tenho que fazer o que eles dizem senão nunca vou ser ninguém.
- aceitar, sem qualquer questionamento e sem hesitação de espécie alguma o "milagre" de Fátima. Afinal, a mulher apareceu aos miúdos e foi assim! Ah, já agora, também ajuda a integração plena na cultura Portuguesa se fizermos algumas viagens ao parque temático construído no local.
- afirmar-me como um "macho lusitano" também ajuda. Apesar do avatar do mítico "macho lusitano" ter sofrido modificações nas últimas décadas [hoje em dia já não é tão sedutor ser como o Zézé Camarinha], o conceito e toda a metafísica por detrás deste continua alive and kicking! Hoje em dia, o "macho lusitano" engloba um número de indivíduos que têm um [bom] carro, de preferência modificado que utilizam para chamar a atenção dos membros do sexo oposto – tal como um pavão utiliza as cores da sua cauda para atrair as fêmeas – frequentam os referidos anteriormente espaços de diversão nocturna, mostram total fidelidade à sua companheira quando estão ao seu lado mas entre o círculo de amigos [todos eles também "machos lusitanos"] elaboram um complexo círculo mental de fêmeas que consideram ser merecedoras de toda esta virilidade e com quem, eventualmente, muitos deles acabam por a transmitir à gaja sem que a companheira de compromisso saiba disso [o pior é quando ela descobre, lá se vai a "virilidade"...], apetrecham-se com um aparelho pequeno e cujo preço chega a atingir os 500 Euros mas que lhes permite realizar maravilhas como transferir dados, utilizar a internet, fazer downloads de ficheiros, enviar faxes e emails que depois desperdiçam a tirar fotos de baixa qualidade [1.2 megapixels?? Estão a rir-se de nós!] que não hão de servir para nada, a enviar sms onde mostram os seus conhecimentos da língua Portuguesa [do género: "Oi,td bem?Hj vou ao colombu c/amgs,krs vir cmg?se ksrs,da 1toke ka gent vaite bscar,hasta,bjinhux" para depois dizerem que os brasileiros não sabem falar...], a dar toques aos amigos ou a desperdiçar horas a falar sem dizer nada, colocam 2 quilos de gel por dia no cabelo, se o orçamento permitir vão ao solário para ficarem com aquela pele laranja que mais parece saída da visão de um daltónico, compram aquelas roupas "da moda" mas depois dizem que "andar arranjado" é coisa de larilas, e tentam incessantemente mostrar que têm mais conhecimentos e sentimentos do que qualquer outro, apesar de apenas cinco minutos depois de abrirem a boca se tornar óbvio que aquilo é uma forma de o cérebro nos dizer que tem cerca de 1200 cm3 de espaço para alugar a preços bastantes acessíveis, devido à forte concorrência neste sector representada por todos os outros concorrentes ao título de "macho lusitano do ano".
- afirmar que nos meses do verão, o Português é rei da praia! Afinal de contas, nós somos Portugueses, como tal, somos praticamente imunes às radiações solares, o sol não nos faz nenhum, ao contrário desses camones que vêm lá da Inglaterra, da Alemanha e da Suécia e que ficam logo encarnados como lagostas depois de uma hora ao sol! Nada disso, o Português aguenta sem protector solar as radiações do astro rei com toda a calma do mundo. Paralelamente, é engraçadíssimo verificar que apesar deste distanciamento em relação aos povos que vivem apenas a 2 horas de distância para norte, demarcamo-nos imediatamente dos povos Árabes, desconfiem deles, não são boa gente!
Já vamos num estado bastante avançado. No entanto, esta identidade não seria Portuguesa se ficasse por aqui, espero as vossas contribuições para esta lista, bem como as vossas apreciações quanto ao que aqui escrevi. Para breve, um texto subordinado à cosmogonia do típico português!
Como nota final, a nós que não temos nada a ver com o que eu escrevi [pelo menos eu sei que não tenho], seremos nós Portugueses? No que diz respeito ao conceito de "cultura Portuguesa", onde termina o sentimento de pertença a Portugal e começa a ligação aos atavismos que décadas depois são ressuscitados e muitas vezes forjados ao serviço de interesses maiores? De uma forma ainda mais trágica, o que leva a que as situações que eu aqui escrevi sejam consideradas como manifestações de cultura tipicamente Portuguesa?
Serei eu Português? O meu BI e o meu passaporte assim o afirmam, mas estes não passam de documentos escritos. O que me vai no coração e na cabeça é bem mais complexo e não me permite afirmar com toda a certeza o que eu sou. Digamos que, para todos os efeitos legais, sou um cidadão da República Portuguesa. Mas a cultura de um povo vai muito além do que os seus documentos legais indicam, quais serão as implicações, positivas e negativas, por detrás da portugalidade? E porque deixamos nós que a síntese designada como "cultura portuguesa" não seja mais do que uma manifestação de ignorância, falta de discernimento, estupidez [arrisco dizer], mesquinhice, conformismo apático e desinteresse total por tudo o que não conhecemos?

27.4.05

Desconstituídos...

A possibilidade de os eleitores Franceses chumbarem em referendo no dia 29 de Maio o Tratado que instituiu uma Constituição para a Europa tornou-se bem real e é tratada com toda a seriedade. Os líderes políticos interessados na sua aprovação afirmam que uma vitória do "não" irá por em causa todo o processo de integração iniciado formalmente em 1950 e tornar a França responsável pelo maior retrocesso do projecto Europeu desde o seu lançamento.

Os críticos do tratado acusam-no de pretender criar uma Europa neo-liberal e de submeter os povos aos interesses dos Estados, contribuindo para a longo prazo diluir as identidades e servir um projecto federalista, conferindo uma maior preponderância aos Estados mais importantes - França e Alemanha - em detrimento de outros. São também criticadas a criação do Presidente do Conselho Europeu e do Ministro dos Negócios Estrangeiros da União.
Quanto às razões para as sondagens indicaram um muito provável "não" Francês ao Tratado, apontam para a reprovação da presidência de Chriac, um enfoque na directiva Bolkenstein e à possível entrada da Turquia na UE, aspectos que os eleitores Franceses visados ligam directamente ao Tratado.
Considero que reprovar um documento tão importante por razões internas ou por não desejar a Turquia na UE é irresponsável, afinal de contas a Turquia foi aceite como candidata em 1999, tinha acabado de entrar em vigor o Tratado de Amesterdão e ainda não se via no horizonte o Tratado Constitucional. A manipulação política é um factor muito relevante no progresso do "não" nas sondagens, principalmente se tivermos em conta que há apenas dois meses atrás o "sim" parecia confortavelmente instalado e sem desafios pela frente.
Porém, todo o dramatismo que tem sido colocado em torno das consequências é sem dúvida um reflexo da forma como tratamos um país grande como a França. Para entrar em vigor, o Tratado tem de ser ratificado por todos os 25 Estados Membros. Uma parte dos 25 decidiu submeter a ratificação a referendo. Se o "não" vencer em França, o Tratado não entra em vigor, é certo, mas seria mesma coisa se o país fosse Portugal, ou a Estónia, ou Chipre [se estes países fossem ratificar o Tratado através de um referendo]. Simplesmente, trata-se de considerar que alguns países são mais iguais que outros ao colocar todo este ênfase na França, aliado ao paradoxo de a França ser um dos países que mais contribuiu para o projecto Europeu e se encontrar à beira de o reprovar.
Que mensagem está a UE a enviar aos seus membros mais pequenos? Como se sentiria Malta, Eslovénia ou Estónia se fossem tratados como irrelevantes, simplesmente por a sua população não ratificar o tratado? Provavelmente os países seriam "convidados a sair" da União. Quando em 1992 os eleitores Dinamarqueses reprovaram o Tratado de Maastricht em referendo por discordarem principalmente com a implementação da terceira fase da União Económica e Monetária foi incluída uma cláusula de opting out no Tratado como forma de garantir a assinatura do Tratado. Mas todo o resto manteve-se como foi feito. Quando em 2001 os eleitores Irlandeses rejeitaram o Tratado de Nice, a UE limitou-se a pedir às autoridades Irlandesas a convocação de outro referendo, sem alterações. No caso de a França rejeitar o Tratado Constitucional, prevê-se que o documento seja abandonado e noutra altura será redigido outro. Não estará a UE a ir contra aquilo que ela própria advoga? O tratamento igualitário dos seus Estados Membros?

20.4.05

A nova cabeça do Vaticano

Depois de 18 dias de "Sé vacante", eis que o Vaticano, o mais pequeno estado do Mundo e última monarquia absoluta da Europa, estado que nunca ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, elegeu o seu novo Chefe de Estado, nada mais menos do que Joseph Ratzinger, até ontem o dirigente do sucessor natural do Tribunal do Santo Ofício.

Face à desilusão de uma grande franja de seguidores da igreja de Roma que esperavam um Chefe de Estado Africano, Latino-Americano ou um Europeu menos polémico, começam a delinear-se possíveis cenários para o reinado de Ratzinger.

Se a herança do seu predecessor é considerada pesada, um olhar mais equilibrado mostra-nos que não será assim tão difícil de seguir, pelo menos no que diz respeito às características políticas e profissionais do cargo, visto que o carisma não se transmite. Karol Woityla pode ter ficado na História como o homem que abriu a Igreja ao Mundo mas rapidamente chegamos à conclusão que ele foi um líder autoritário no que diz respeito à administração interna do Vaticano. Infelizmente para nós, "administração interna" no Vaticano não diz respeito apenas aos exíguos limites do seu território [0,44 quilómetros quadrados em Roma] mas sim aos cerca de mil milhões de seguidores que a igreja de Roma tem em todo o Mundo.

Ratzinger, em tantos aspectos semelhante a um dirigente do Comité Central de um Partido Comunista da União Soviética [que ironia tão gira...], apresenta muitos pontos comuns com Woityla, principalmente nos pontos que constituem a maior fractura entre a igreja católica e a população mundial - moral sexual, aborto, celibato dos padres, descriminação das mulheres. Por isso, acho no mínimo estranho que tantas vozes afirmem que este vai ser um pontificado "de transição", transição para o quê? Tudo indica que Ratzinger foi a autêntica personalização da consciência moral de Woitlya nos assuntos internos da igreja católica, as suas declrações são sobejamente conhecidas, uma delas afirmando que a "salvação apenas pode ser atingida através da igreja católica" - talvez este seja o ponto de ruptura com o reinado de Woitlya, um maior monolitismo no que diz respeito às outras religiões - não me parece uma franse muito diplomática, sobretudo vinda de um homem que é desde ontem o número um de uma instituição com a qual mil milhões de pessoas se identificam.

Quanto à minha perspectiva, como anti-clerical, anti-igreja e anti-cristandade, a Profaníssima Trindade numa única criatura, a eleição de Ratzinger representa um cenário desejável, que é o gradual afastamento da igreja em relação às pessoas, principalmente na Europa. De um ponto de vista mais Humano e mais aberto, seria dúvida desejável a eleição de um Chefe de Estado Latino-Americano ou Africano. Contudo, desta vez o meu lado mais cínico apoderou-se e tendo em conta que na minha profana opinião, o desmoronar da igreja está no interesse da Humanidade, a eleição de um Chefe de Estado mais sectário e conservador, capaz de suscitar grandes controvérsias em torno da sua instituição é a que serve melhor os meus próprios interesses. Talvez eu tenha a sorte de assistir à erosão visível da igreja.

Por último quero apenas ressalvar algo macabramente irónico quanto às posições da igreja no que diz respeito aos métodos de contracepção. Se na Europa isto é um assunto ultrapassado, na América Latina e África constituti um problema muito mais grave do ponto de vista Humano. A igreja, ao afirmar-se contra o uso de métodos contraceptivos, apela a um princípio bíblico segundo o qual os Humanos devem multiplicar-se nunca contrariar a "vontade divina" por detrás do acto da concepção, logo são claramente contra os métodos de controlo da população, ainda que isso pudesse ser óptimo para alguns dos países mais pobres do Mundo. Como todos também sabemos, a não utilização de métodos de contracepção é a porta de entrada das doenças sexualmente transmissíveis no organismo Humano, muitas existem mas as mais proeminentes são o HIV e as Hepatites. Tendo em conta que nos países em desenvolvimento o acesso a tratamentos médicos para as pessoas que padecem destas doenças é extremamente limitado, uma grande parte da população infectada acaba por morrer, após um longo e doloroso sofrimento. Apesar da posição da igreja, ela acaba por ser apologista do controlo da população, só que de um controlo doloroso, será que é difícil meter isto na cabeça??

14.4.05

"She Walks in Beauty"

I
She walks in beauty, like the night
Of cloudless climes and starry skies;
And all that's best of dark and bright
Meet in her aspect and her eyes:
Thus mellow'd to that tender light
Which heaven to gaudy day denies.

II
One shade the more, one ray the less
Had half impair'd the nameless grace
Which waves in evey raven tress,
Or softly lightens o'er her face;
Where thoughts serenely sweet express
How pure, how dear their dwelling-place.

III
And on that cheek, and o'er that brow,
So soft, so calm, yet eloquent,
The smiles that win, the tints that glow,
But tell of days in goodness spent,
A mind at peace with all below,
A heart whose love is innocent !


"She Walks in Beauty" - Lord Byron

11.4.05

"God save the Queen"? E a Democracia?

Este fim-de-semana inadvertidamente tive de contemplar parte do anunciado "Casamento Real" no Reino Unido.

O acontecimento foi coberto para Portugal pela TVI, estação que há já alguns anos nos habituou a um estilo muito próprio. Isto significa, obviamente, que já todos sabemos o que esperar do canal com mais audência em Portugal.

Mesmo assim, a estação ainda me conseguiu surpreender com a extraordinária cultura da enviada ao local que relatava o acontecimento para a TVI. Não só a senhora em questão não sabia o nome de Rowan Atkinson, tendo-se referido ao actor apenas como "Mr. Bean" [para mim ele é o Black Adder, mas isso sou eu...], como também afirmou mais do que uma vez que a Rainha Mãe estava presente [ou muito me engano ou a jornalista da TVI descobriu, num golpe de genialidade, como ressuscitar figuras reais falecidas à três anos...] e ainda para coroar tudo isto, ilucidou-nos quanto à natureza da Igreja Anglicana, quando declarou que Henrique VIII havia procedido à separação em relação à Igreja de Roma para que pudesse realizar o seu sexto casamento [quer dizer que em relação aos outros cinco não houve problema nenhum, nem sequer o facto de algumas das infelizes esposas do monarca terem sido decapitadas por este nem os divórcios anteriores, visto que nem todas foram executadas, contribuíram para o cisma com o Vaticano]. Ah, mas os jornalistas da TVI em Portugal não tentaram ofuscar a brilhante actuação da sua colega em Windsor. Um dos quais colocou esta pertinente questão a um representante da Igreja Anglicana no estúdio: "Vocês também rezam o pai nosso como os cristãos?"
Ora bem, é a TVI!
Quanto ao acontecimento em si, não o vou comentar nos moldes da imprensa cor-de-rosa [nunca hão de ler nada disso aqui, garanto-vos], apenas me vou referir a uma contradição reveladora de, no mínimo, uma grande hipocrisia existente nas Repúblicas Europeias, neste caso na República Portuguesa e que está profundamente enraízada na sua consciência colectiva e nos seus media. Qualquer observador minimamente atento repara que as coberturas dos "casamentos reais" são sempre apresentadas pelos media com uma forte dose de romantismo, as casas reais são-nos apresentadas através de um espectro de saudosismo, de idealização, quase de elevação espiritual, tacitamente consideradas como muito acima dos regimes republicanos [cujos faits-divers vendem muito menos tablóides do que os das monarquias].
Ao olhar para a cobertura de um "casamento real", o menos prevenido dos tele-espectadores depara com uma construção remeniscente das lendas medievais, remontando a um tempo em que os monarcas pouco mais eram do que figuras decorativas que tributavam os senhore feudais e em que qualquer príncipe ou princesa era motivo de concentração de olhares por parte do povo. É esta a mentalidade que os media nos impõem quando lidam com assuntos de casas monárquicas. A evolução política do Ocidente ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, o liberalismo político e o avanço das Repúblicas Parlamentares resultaram na diminuição do número de monarquias na Europa - actualmente contam-se Espanha, Reino Unido, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Mónaco, Dinamarca, Noruega e Suécia - e na sua posterior adaptação para regimes constitucionais nos quais o monarca reina mas não governa, limita-se a ser o Chefe de Estado [no Reino Unido chefe da igreja] e legitima a tomada de posse do poder executivo, servindo ainda de representante do seu país [quer dizer, o país nem sempre é o dele...] vis-à-vis outros Chefes de Estado.
Qual é então o motivo por detrás de toda esta poeira vistosa que nos é apresentada nos media aquando de acontecimentos relacionados com casas reais? Será uma consequência necessária, decorrente da própria perda de poder dos monarcas e que tenta encontrar uma última função para estes e para os seus descendentes, ou seja, vender jornais e aumentar audiências televisivas? E os cidadãos, como podem permitir que as casas reais vivam à custa do erário público? No caso do Reino Unido, chega a ser escandaloso. Não estaremos perante uma violação clara dos valores democráticos que nos regem, do liberalismo pelo qual milhares de pessoas deram a sua vida desde a Revolução Francesa e que constitui a base dos regimes políticos Ocidentais?
O circo mediático em relação a "assuntos reais" não é senão um motivo de embaraço para as monarquias Europeias. Na minha óptica, cada circo é uma mancha na reputação e bom-nome do seu país.

4.4.05

Bruxelas&Paris 2005

Estive ausente durante 6 dias e para variar, a ausência de posts neste período não se deveu a trabalho de faculdade nem nada semelhante, simplesmente estive fora, em Bruxelas e Paris, do dia 28 de Março ao dia 2 de Abril.

Não está inteiramente correcto dizer que não teve nada a ver com a faculdade. Na verdade, teve muito a ver, visto que éramos convidados da Euro-deputada do PCP, Ilda Figueiredo para visitar o edifício do Parlamento Europeu [há três, Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo, tirem as vossas conclusões...] e que as despesas da viagem foram cobertas pela referida euro-deputada, algo que os euro-deputados podem fazer duas vezes por ano e que eu apreciei bastante, desde a iniciativa à recepção e tratamento que nos foi dado no PE pela própria Ilda Figueiredo e pelos restantes colaboradores do PCP em Bruxelas!

Foi fisicamente bastante exigente, afinal de contas, fomos de autocarro [os fundos não são assim tantos que permitam o pagamento de dois vôos], cerca de 30 horas de Lisboa para Bruxelas e 26 horas de Paris a Lisboa. Por outro lado, permitiu uma maior aproximação entre as pessoas que nela seguiram, apesar de o espaço para dormir ser pouco, visto que o autocarro ia cheio.

Quanto às cidades propriamente ditas, Bruxelas é, arrisco dizê-lo, uma fachada, uma cidade para postais, que dispõe de um local embelezado, a Grand Place e que é património mundial e de algumas ruas bonitas em torno desta, bem como de alguns edifícios mais bonitos para o norte da cidade, próximos do Palácio Real. Quanto ao resto, aliás, a maior parte da cidade, é cinzenta e sem interesse. Existe um moderno centro administrativo e financeiro, com os seus arranha-céus que podia ser em qualquer capital digna desse nome, mas a cidade "normal" tem pontos degradados, fez estes visitantes sentirem-se inseguros [às vezes parecia um bairro social de Lisboa no pior sentido da palavra] e, juro que não percebo isto, não se usam caixotes do lixo, os sacos são deitados nas ruas! Gostava que me explicassem isto...

Já Paris, não há palavras. Não é a primeira vez que a visito e não será concerteza a última. É uma cidade interminável na qual nos podemos perder sem nunca termos vontade de a deixar, onde praticamente qualquer ponto da cidade é um ponto de interesse e que não pode ser resumida em algumas linhas. Para culminar tudo isto, não só não choveu como ainda os deuses gauleses nos concederam um último dia de sol, algo não muito comum na capital Francesa. A opinião geral foi excelente quanto a Paris e nada boa quanto a Bruxelas, o que não me admira nada...

Hoje fico por aqui, mais se seguirá nos próximos dias.

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