Desconstituídos...
A possibilidade de os eleitores Franceses chumbarem em referendo no dia 29 de Maio o Tratado que instituiu uma Constituição para a Europa tornou-se bem real e é tratada com toda a seriedade. Os líderes políticos interessados na sua aprovação afirmam que uma vitória do "não" irá por em causa todo o processo de integração iniciado formalmente em 1950 e tornar a França responsável pelo maior retrocesso do projecto Europeu desde o seu lançamento.
Os críticos do tratado acusam-no de pretender criar uma Europa neo-liberal e de submeter os povos aos interesses dos Estados, contribuindo para a longo prazo diluir as identidades e servir um projecto federalista, conferindo uma maior preponderância aos Estados mais importantes - França e Alemanha - em detrimento de outros. São também criticadas a criação do Presidente do Conselho Europeu e do Ministro dos Negócios Estrangeiros da União.
Quanto às razões para as sondagens indicaram um muito provável "não" Francês ao Tratado, apontam para a reprovação da presidência de Chriac, um enfoque na directiva Bolkenstein e à possível entrada da Turquia na UE, aspectos que os eleitores Franceses visados ligam directamente ao Tratado.
Considero que reprovar um documento tão importante por razões internas ou por não desejar a Turquia na UE é irresponsável, afinal de contas a Turquia foi aceite como candidata em 1999, tinha acabado de entrar em vigor o Tratado de Amesterdão e ainda não se via no horizonte o Tratado Constitucional. A manipulação política é um factor muito relevante no progresso do "não" nas sondagens, principalmente se tivermos em conta que há apenas dois meses atrás o "sim" parecia confortavelmente instalado e sem desafios pela frente.
Porém, todo o dramatismo que tem sido colocado em torno das consequências é sem dúvida um reflexo da forma como tratamos um país grande como a França. Para entrar em vigor, o Tratado tem de ser ratificado por todos os 25 Estados Membros. Uma parte dos 25 decidiu submeter a ratificação a referendo. Se o "não" vencer em França, o Tratado não entra em vigor, é certo, mas seria mesma coisa se o país fosse Portugal, ou a Estónia, ou Chipre [se estes países fossem ratificar o Tratado através de um referendo]. Simplesmente, trata-se de considerar que alguns países são mais iguais que outros ao colocar todo este ênfase na França, aliado ao paradoxo de a França ser um dos países que mais contribuiu para o projecto Europeu e se encontrar à beira de o reprovar.
Que mensagem está a UE a enviar aos seus membros mais pequenos? Como se sentiria Malta, Eslovénia ou Estónia se fossem tratados como irrelevantes, simplesmente por a sua população não ratificar o tratado? Provavelmente os países seriam "convidados a sair" da União. Quando em 1992 os eleitores Dinamarqueses reprovaram o Tratado de Maastricht em referendo por discordarem principalmente com a implementação da terceira fase da União Económica e Monetária foi incluída uma cláusula de opting out no Tratado como forma de garantir a assinatura do Tratado. Mas todo o resto manteve-se como foi feito. Quando em 2001 os eleitores Irlandeses rejeitaram o Tratado de Nice, a UE limitou-se a pedir às autoridades Irlandesas a convocação de outro referendo, sem alterações. No caso de a França rejeitar o Tratado Constitucional, prevê-se que o documento seja abandonado e noutra altura será redigido outro. Não estará a UE a ir contra aquilo que ela própria advoga? O tratamento igualitário dos seus Estados Membros?
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