Nos últimos anos, os chamados "gadgets" conheceram uma expansão mediática e comercial sem precedentes. Hoje é comum falar-se "gadgets", comprarem-se "gadgets", publicarem-se notícias sobre "gadgets" (notem que eu estou sempre a escrever a palavra entre aspas, coisa que eu não costumo fazer) e vendem-se muito mais "gadgets" do que nunca, isto porque os avanços incríveis da tecnologia e da indústria electrónica nos últimos vinte anos tornaram possível a criação, produção em massa e venda a preços acessíveis de uma quantidade gigantesca de bens tecnológicos portáteis.
E o que é que me chateia no meio disto tudo? Para já, a palavra "gadget", que eu detesto. Tem uma conotação condescendente e não faz justiça ao objecto em si. Mais ou menos como uma "criaçãozinha engraçada" para brincarmos com ela de vez em quando. Claro, um
Blackberry foi mesmo feito para se brincar com ele e mostrar aos amigos em jantares. Da mesma forma, o iPhone é um aparelhinho giro para exibir por aí e mostrar que se anda actualizado e a par das últimas "modernices". E isto porque na Europa não temos acesso aos artigos tecnológicos mais bizarros feitos no Japão, como a
televisão dobrável da Sony, a
Thanko Spy Disk, que é ao mesmo tempo uma caneta, um leitor de cartões SD e uma pen drive USB, ou até mesmo o
Music Bird Cannon, não sei muito bem como é que o hei de descrever mas é algo com longas fibras de acrílico que se instala no fundo de um vaso com flores e que faz estas vibrarem e produzir sons quando as fibras são tocadas...
Enfim, até em Portugal, que durante o século XX não foi propriamente o país da Europa com maior penetração de bens tecnológicos, já temos pelo menos umas três revistas dedicadas a "gadgets" e nenhum português que se preze é visto em público sem um telefone capaz de tirar fotografias (com uma câmara de 2 megapixels, atenção) ou filmar vídeos. Agora que existe um serviço de Mobile TV, então...Arrisco até dizer que Portugal vai ser o único país da Europa (talvez mesmo do Mundo) onde a PlayStation 3 vai vender mais do que as concorrentes - sim, porque o português que se quer moderno e actual só vai para as "coisinhas" mais avançadas!
O que se pode retirar de tudo isto? Sem dúvida que é positivo termos cada vez mais acesso a artigos de alta tecnologia. Agora, o que me chateia um pouco, é que a maioria das pessoas
que as compram não fazem a mais pequena ideia da utilidade do artigo onde gastaram 200/300/400/600 Euros...Pior, além de só o aproveitarem a 10%, a tendência dos últimos anos é para a mediatização e crescimento do status social que esses artigos representam. Juntem a isto uma pressão subtil dos media para comprarmos mais artigos tecnológicos e temos um pormenor perturbador: a indústria de electrónica para o consumidor tornou-se uma questão de moda!
É mesmo, não queria que assim fosse, mas a verdade é que a importância que é dada ao que os artigos supostamente representam (pelo menos nas cabeças toscas de alguns iluminados) é mais importante do que a real utilidade dos bens. Telvez fosse inevitável...afinal, também os carros são alvo do "factor moda" que pode determinar o insucesso de um artigo, mesmo que seja melhor, em detrimento de outro que seja mais "fashion" (e com isto atingi o meu limite de palavras que detesto, não vou introduzir nem mais uma). É a triste realidade...milhões e milhões são investidos no desenvolvimento da indústria electrónica para depois os consumidores escolherem o artigo X em vez do Y porque o X é "mais giro", mesmo que não apresente uma única vantagem em relação ao outro. Querem mais? Pois bem, um artigo tecnológico com visibilidade está a tornar-se tão importante na promoção social como um fato caro.
Querem maior insulto ao desenvolvimento tecnológico do que equipará-lo a uma indústria decadente como a da moda? Eu não conheço mais nenhum, mas é a constatação a que chego quando vemos a actual tendência do mercado...Pois é, o Blackberry e os sapatos Prada...o iPod e os óculos escuros Armani...com isto, a respeitabilidade da indústria electrónica está a bater no fundo.