20.1.05

Janus

Hoje George W. Bush toma posse, iniciando o seu segundo mandato à frente dos E.U.A. Isso já se sabe e pouco tem a comentar que não tenha já sido dito nas eleições de 2 de Novembro.

O que me chamou a atenção não foi propriamente o aparato da cerimónia, nem o discurso que Bush irá fazer - de certeza que não irá ser diferente dos outros - mas sim as afirmações da nova Secretária de Estado, Condoleezza Rice no Senado, aquando da sessão de perguntas que foi feita pela comissão das relações externas daquela instituição legislativa Americana.

A propósito da política externa Americana, Condoleezza Rice referiu-se a seis países que considera como antros de tirania e apontou concretamente Cuba, Bielorússia, Zimbabwe, Irão, Myanmar e Coreia do Norte sem no entanto avançar se estariam planeadas acções contra estes Estados.

Ora, estes países foram incluídos na "lista negra" que eu fiz há uns meses atrás de países que na minha opinião, precisavam de uma mudança de regime. Que eles são antros de tirania, sem respeito pelos direitos humanos e onde os valores democráticos são pura e simplesmente ignorados, não é novidade nenhuma, até aqui estamos de acordo. O ponto de fractura surge simplesmente aqui: nenhum dos países apontados pela Secretária de Estado tem uma postura pró-Americana no cenário internacional. Posso assim dizer que isto é juntar o "útil" ao "agradável", ou seja, são regimes autoritários (ponto a favor) e não são pró-Americanos (joker!), logo, são altamente suceptíveis de serem incluídos não num "Eixo do Mal", mas, porque Rice é infinitamente mais inteligente que Bush, numa "lista de assuntos urgentes" (e estas palavras são minhas).

Uma lista de regimes autoritários aplicando o critério oficial que a Secretária de Estado usou quando fez aquelas declarações teria forçosamente de incluir a Arábia Saudita (o Estado mais fundamentalista do Mundo), o Uzbequistão, o Turquemenistão e a Indonésia (que apesar de ter revelado uma fachada mais democrática, ainda tem umas grandes reminiscências da era Suharto). Simplesmente, estes países não foram mencionados devido à sua postura pró-Americana. Vejamos: a Arábia Saudita ainda é o maior aliado dos EUA no Mundo Árabe, representa uma fonte gigantesca de investimento na economia Americana e a ligação de Washington a Riyadh é quase promíscua; o Uzbequistão e o Turquemenistão, apesar das sistemáticas violações dos direitos humanos dentro das suas fronteiras, colocaram-se ao lado dos EUA após os atentados de 11 de Setembro, o que inplicitamente lhes conferiu carta branca para exercerem a sua repressão sobre todos os que consideram "terroristas", uma classificação susceptível de ser aplicada a um democrata-liberal; a Indonésia, continua a ser uma boa amiga dos EUA e os seus problemas de separatismo interno (alguns dos quais envolvendo radicais islâmicos) mantêm-na nas boas graças de Washington, Timor-Leste foi só um episódio de um Estado artificial, militarmente coeso por um regime autoritário que congrega mais de 16 000 ilhas em torno de um poder central, há ainda que referir os casos mais mediáticos de Aceh, de Irian Jaya e das ilhas Molucas, sobre os quais sabemos muito pouco.

Todos nos lembramos que a administração Bush sempre pregou "valores morais" durante o seu primeiro mandato e os ditos "valores morais" foram uma das causas da sua reeleição, pelo menos assim indicaram os eleitores Americanos. A moralidade com que Rice apontou a referida lista será sem dúvida uma amostra da moralidade que podemos esperar da Casa Branca ao longo dos próximos quatro anos. Não constitui surpresa para ninguém, é certo, mas as diferenças entre Bush e Rice devem objecto de ponderação. Afinal, a Secretária de Estado planeou a guerra do Iraque e conseguiu sair com a reputação intacta e a própria antevisão que fez da política externa Americana para os próximos quatro anos - que iria passar por uma abordagem mais multilateral e que seria colocado maior ênfase na diplomacia - deixa prever, pelo menos na minha simples opinião, que teremos até 2008 uma diplomacia multi-lateral ao serviço da agenda Bush. Até aqui tivemos o mais simples, que foi a acção unilateral, agora vamos ter o mais complexo, o multilateralismo cumprindo a mesma agenda que o anterior unilateralismo. Ou seja, a nova administração Bush vai tentar fazer uma operação de maquilhagem à sua política externa, servindo-se de uma máscara multi-lateral e recorrendo ao diálogo com outros parceiros para cumprir, genericamente, as mesmas linhas de orientação que pautaram a política externa Americana de 2000 a 2004, ou melhor, de 2001 a 2004, porque até 11 de Setembro de 2001, a política externa Americana quase não existia...

1 Comments:

Blogger Padawan said...

Hmmm, pena é que ninguém planeie na sua agenda uma intervenção no sistema mais autoritário de todos: os EUA. Com a óbvia excepção da Al-Qaeda, esses santos.

26 janeiro, 2005 13:10  

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