2.7.05

Heróis nacionais

Não há país que não os tenha e que não celebre pelo menos um herói nacional, num dia próprio, a quem é atribuída uma façanha altamente relevante na história do seu país, a quem as crianças são ensinadas a prestar tributo e a quem é feita uma imagem para figurar num estátua, num busto ou numa inscrição monetária.
Os heróis nacionais actuam assim como agentes projectores da suposta grandeza e heroísmo do país, alegadamente representando as suas virtudes mais puras e servindo de exemplo às gerações vindouras. Afonso Henriques, Alexandre Nevsky, Davy Crocket, Ho Chi Minh, Charles De Gaulle, todos eles heróis nos seus países, quase venerados pelo Estado e pela população mais agarrada aos mitos nacionais. Porque são sobretudo isso, mitos, pessoas a quem foi conferida uma aura de heroísmo e romantismo por um feito cujas consequências os seus agentes activos não se aperceberam ou cuja intenção não era de todo altruísta.
Sem ser cínico, quantos heróis nacionais, plenos de ideais de bravura, coragem, patriotismo e romantismo, realmente incorporaram as características que lhes foram atribuídas? A história mostra-nos que se as características particulares de um indivíduo podem ser relevantes – a Europa teria ido por outro caminho se Júlio César, Carlos Magno, Napoleão Bonaparte e Adolph Hitler pensassem de outra forma – há sempre um sistema por detrás dos seus feitos, para cada cabeça há manipuladores, confidentes, executantes e servidores.
A história mostra-nos também que com as palavras adequadas, qualquer facto pode ser distorcido e interpretado de uma forma totalmente diferente. Um feito glorioso de um Homem há 500 anos atrás pode, dois séculos depois, ser um feito atroz e ridículo. O oposto também o é possível e os decisores de cada país, apoiados numa eficiente máquina de manipulação e de criação de guiões nacionais são eficientes em criar as suas próprias histórias, as suas próprias versões, por vezes as suas próprias nações. A Nun’Alvares Pereira é atribuída a vitória na Batalha de Aljubarrota, imediatamente é herói nacional, corajoso, virtuoso, patriota, cujos esforços evitaram que Portugal fosse incorporado em Castela. Não era ele um mercenário que combatia por dinheiro e riquezas? D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, é venerado como o "fundador da nacionalidade", quase um deus para alguns Portugueses. Era um nobre Francês que proclamou a independência do território cuja administração lhe estava encarregue por motivos que nada tinham a ver com a fundação de um país. Como lhe pode ser atribuída a categoria de patriota e o seu nome ser invocado por Portugueses de todos os quadrantes políticos? Estarão conscientes que no século XII não havia algo chamado "consciência nacional"? Julgam que no período medieval, o mais facilmente romantizado, os "heróis nacionais" realizavam os seu actos "heróicos" pelo país? Existia um país naquela altura? Sabem por acaso o que era um rei, o que era um estado, o que era a organização naquele tempo?
Simplesmente, cada país em nome dos seus desígnios pseudo-patrióticos ou de condutas que pretendam justificar determinadas acções, por vezes menos aceitáveis, encarrega-se de fabricar os seus mitos, sobrecarregando-os de virtudes relacionadas com o patriotismo e tudo o mais o que permite uma imagem limpa e digna de um "grande país". Nenhum indivíduo pode encarnar toda a glória de um país, nenhum "herói nacional" o é verdadeiramente, sem um sistema no qual se possa apoiar. Qual é o povo que ainda se deixa manipular pela imagem romantizada de um antigo líder em pose patriótica de combate, galvanizando os seus concidadãos para uma vitória que pode muito bem nunca vir a existir? É mais uma demonstração pura e simples da manipulação a que os Humanos estão sujeitos, afinal um culto não termina no templo, encontra-se nos media, nas notas e moedas, nos selos e nos livros de história, tantas vezes revistos com o propósito de acomodar mitos refeitos ao serviço de programas obscuros.

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