23.5.04

O fim da Idade Média

Boa noite!
Hoje vou falar sobre um assunto que me agradou bastante, embora de uma forma algo estranha e distorcida.

Há uns dias atrás, foi assinada entre Portugal e a Santa Sé a nova Concordata, ou melhor, a revisão da Concordata, documento que regulamenta as relações entre Portugal e este micro-estado, o mais pequeno do Mundo, o único em que a língua oficial é o Latim, a última monarquia absoluta da Europa e a última teocracia do continente, o único estado Europeu que vive em função de uma religião, etc...

A Concordata prevê uma série de pontos que ao observá-los apenas posso elogiar, como o fim da isenção fiscal para os clérigos envolvidos em actividades laicas - como o ensino e a exploração de negócios próprios - a equiparação das outras religiões ao catolicismo e a eliminação da necessidade da presença de um bispo em actos oficiais. Se esta Concordata deve ser elogiada pelo conteúdo, ela deve ser muito criticada pela chegada tardia (em 2004 surge uma revisão de um documento assinado em 1940 e cuja única alteração teve lugar em 1975) e em última instância, pela própria existência! Afinal, nunca deveria ter sido necessária!

Mas vamos lá ver:
Só num país excessivamente 'apadralhado' como o nosso (e Portugal nem é dos piores, Espanha, Irlanda e Malta são bem mais retrógrados) é que uma revisão das relações com a igreja demora mais de 60 anos a chegar. O Estado de direito, se não me engano Portugal obedece a este critério, pressupõe uma base laica e secular, como tal separação TOTAL da igreja em relação ao Estado. E de facto, o Estado Português obedece parcialmente a isto, não tem uma religião oficial nem pagamos impostos à igreja (ao contrário do que acontece noutros lados...) mas contudo, falhava noutros aspectos, nomeadamente, no tratamento fiscal concedido à igreja, essa santa instituição, farol de esperança para os mais desfavorecidos, conforto dos mais inquietos - autêntica gaiola de ouro para os que dela fazem parte, sem que muitos dos que procuram a sua "ajuda" a ela tenham direito, e já agora, local de satisfação do impulso sexual de alguns padres!
Já agora, refira-se a tal presença de um bispo nas cerimónias oficiais, qual é a razão de ser disto?

Todo este tratamento preferencial da igreja provém do salazarismo, o regime que instituiu a máxima "Deus, Pátria e Família" e que promovia a imagem dos Portugueses como um povo simples, pobre, católico e com horizontes curtos. Nunca estas palavras se interligaram tão bem! De facto, pobreza, catolicismo e simplicidade são características que se complementam umas às outras, às quais podemos também juntar conservadorismo retrógrado, patriarcalismo e a um nível mais elevado, sectarismo e fanatismo.

Durante a I República, os governantes da época instituiram uma série de medidas "anti-clericais" que restringiram o poder da igreja. Estas medidas foram em parte representadas por Afonso Costa, que se tornou numa das figuras mais odiadas do país. A nacionalização dos bens da igreja, bem como a restrição de actividade religiosa foram medidas demasiado avançadas para a época num país que, tal como hoje, permanecia atrasado em relação ao resto da Europa, e provocaram a fúria da igreja, incluindo o corte de relações com o Vaticano.

Após o estabelecimento do Estado Novo, a igreja foi "compensada" daquilo a que foi submetida durante a I República, e assim temos a santa madre igreja católica apostólica romana a imiscuir-se nos assuntos do país, com influência na agenda política e nos assuntos de carácter social e nos benefícios fiscais. A assinatura da Concordata consagrou uma série de medidas a que a maioria dos Portugueses se habituou e que só muitos anos mais tarde é que repararam quão retrógradas eram. Estas medidas incluiam o ensino obrigatório de religião nas escolas (bem como a presença de um crucifixo nas aulas), a ilegalização do divórcio, a presença de membros da igreja em actos oficiais bem como o benefício implícito dado à igreja numa série de assuntos. Foi assim reforçada a imagem que o Estado Novo queria dar de Portugal, a meta a atingir seria a formação de uma população mansa, ignorante e alheada dos assuntos políticos e económicos que confiasse plenamente no governo e não se sentisse seduzida por subversivos ideais democráticos, ou por outras formas de regimes autoritários, leia-se comunistas.

Felizmente já nada disso acontece e embora em muitos aspectos tenha havido uma clara evolução, noutros continuamos a ter o estigma católico em cima de nós, em parte por responsabilidade dos governos, em parte devido à influência do lobby católico, cujo poder vem em grande parte da permissividade com que foi tratado ao longo das décadas por vários governos em todo o mundo.

Ainda hoje em dia, a igreja católica em vez de se reduzir à sua vocação (isto partindo do princípio que tem alguma!) e de colocar um limite às suas palavras e actos à porta do templo, detém bastante poder, utiliza a comunicação social com tempos de antena privilegiados, é claramente influente em várias individualidades políticas e lança campanhas de lobbying e de tentativa de manipulação da opinião pública, nomeadamente contra o aborto.
Afinal, quem é que pediu a opinião da conferência episcopal portuguesa?

Mais ainda, porque é que na RTP, estação pública de televisão, paga com o dinheiro dos contribuintes, cujo detentor é o Estado (Estado laico, secular onde existe separação) aos domingos não falha a transmissão de uma missa? E quando não é uma missa é um evento religioso com um significado ainda maior? Desde quando é que isso contitui um serviço público?? O melhor exemplo a que eu assisti desta anormalidade anacrónica deu-se no ano passado no dito domingo "de páscoa" onde a nossa estação pública lá estava a prestar um "serviço público" aos Portugueses e a transmitir a missa de páscoa. Durante a cerimónia, o locutor que fazia a narração do evento refere "(...) a verdade da ressurreição de nosso senhor". Ora, este jornalista pode, dentro do seu mundo privado, acreditar plenamente em Humanos pregados a cruzes, nascidos de virgens, que caminham sobre as águas, fazem milagres e ressuscitam depois de mortos. Faz parte do nosso direito acreditarmos naquilo que quisermos, eu também estou no meu direito de acreditar em deuses do fogo, do trovão e do vento, ou de acreditar em elfos, fadas e duendes. Mas num serviço público de televisão no qual os cidadãos confiam (foi recentemente comprovado por um estudo de mercado que a RTP é uma das 'marcas' em quem os Portugueses mais confiam) é perfeitamente abjecto, sectário e retrógrado referir uma coisa destas. Não só do ponto de vista do laicismo e da secularidade, mas também porque uma pessoa que acreditasse noutra mitologia não teria a mínima hipótese de a expôr, ao passo que a santa madre igreja tem direito a uma transmissão em directo!

Tal como eu disse, houve uma grande evolução, mas há ainda muito que precisa de ser feito. Se do ponto de vista jurídico a situação prece bem melhor, do ponto de vista social há ainda muitas lacunas a eliminar, se quisermos deixar de ser um país atrasado. Talvez seja por isto que a igreja gosta tanto de pobres e de analfabetos, esses não questionam e fazem tudo o que o padre manda.
Já agora, não se esqueçam da Opus Dei, organização sinistra, neo-inquisitória que se movimenta sem nós darmos conta e que conta entre as suas fileiras com, por exemplo, o presidente da Assembleia da República, que é apenas o número dois do Estado Português.

Boa noite e não os deixam apanhá-los. Acreditem no que quiserem mas sejam sempre livres-pensadores!

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