20.5.05

Geopolítica linguística

Aproveitando alguns dos conceitos do post anterior, vou agora referir-me a uma opção estratégica empreendida por alguns países Europeus que recebe um apoio quase incondicional e com a qual eu discordo, trata-se da geopolítica linguística, ou seja, o aproveitamento do idioma como factor de projecção a nível global.
Entre as línguas mais faladas do Mundo, encontram-se o castelhano, inglês, português e francês, resultado não do grande número de falantes nos seus países de origem [Espanha, Reino Unido, Portugal e França juntos têm cerca de 170 milhões de habitantes] mas da expansão colonial empreendida do século XV ao século XIX pelos referidos países Europeus. O resultado foi um número enorme de países extra-Europeus que têm uma das referidas línguas como idioma oficial.
A dominação política terminou há décadas, num intervalo de tempo que vai desde o início do século XIX [no caso da Espanha] até 1975 no caso de Portugal. Contudo, o património linguístico ficou e mais recentemente tem sido alvo de uma maior mediatização e atenção dos poderes políticos dos referidos países Europeus.
A perda dos impérios coloniais significou para as potências Europeias uma hecatombe de consequências graves nas suas respectivas sociedades. O abandono do controlo político, a perda do poder económico, a queda nos efectivos demográficos e o final do livre acesso aos recursos naturais foram os factores mais importantes que levaram ao final da hegemonia Europeia ao longo do século XX e que abriram caminho ao mundo bipolar que vigorou desde o pós-guerra até 1989.
No entanto, a ligação nunca foi abandonada. Ainda em 1930, o Reino Unido devido a questões de pragmatismo económico e proteccionismo face à terrível crise mundial que se vivia então, criou a Commonwealth, organização que congregava os países ligados à coroa Britânica que vão desde o Canadá, Austrália e Nova Zelândia a uma série de pequenos países Africanos e Asiáticos. A França, que teve uma descolonização mais difícil, lançou também a organização da Francofonia que congrega um número considerável de membros que têm o Francês como língua oficial. Portugal não ficou atrás e em conjunto com o Brasil, criou em 1996 a CPLP, que actualmente junta Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Os objectivos da organização passam pelo estreitamento da cooperação entre os estados membros em várias áreas [a nível interno] e na afirmação mundial da língua Portuguesa, nomeadamente nas organizações internacionais [a nível externo]. Além destes objectivos gerais, são também referidas propostas de criação de um estatuto especial para os cidadãos da CPLP [o que passaria pela criação de uma cidadania própria] que os colocaria numa situação de maior benefício face aos cidadãos de países exteriores à organização, havendo até quem defenda a criação de uma força militar própria para a organização.
Visto que a dominação política já não existe nos mesmos moldes que há cinquenta anos atrás, que a influência económica [neo-colonialismo] passa mais discretamente pela opinião pública, actualmente a estratégia cultural passando pelo factor linguístico é uma vertente importante da projecção de cada país e quantos mais países tiverem a nossa língua como oficial melhor, assim pensarão os nossos líderes.
Da mesma forma como na Europa do século XIX, o nacionalismo de base étnica constituía uma bandeira de campanha de cada povo, principalmente na Europa Central e de Leste com os limites do Estado a obedecerem a pressupostos étnicos como condição necessária à estabilidade e desenvolvimento, actualmente essa forma de nacionalismo foi transformada e alargada à língua, pelo menos na cabeça de alguns líderes.
A componente metafísica da expansão de cada país é impossível de eliminar e isso é óbvio se observarmos a forma como são tratados os líderes e "heróis" de cada povo, cujo grau de veneração chega a ser elevadíssimo. O passado colonial não é indiferente a esta componente e se por um lado se vulgarizou o discurso de que o colonialismo é errado nunca se abandonou o orgulho de levar o seu país a várias partes do Mundo e figuras com um registo terrível chegam a ser considerados como grandes patriotas, quase heróis nacionais nos seus países de origem e aqui refiro-me por exemplo a Joaquín Cortez ou Francisco Pizarro.
Desta forma, a actual valorização do factor linguístico é uma forma de reconversão da anterior dominação política e económica que vigorava durante o período colonial. O facto de que à frente destes projectos aparecem as antigas potências coloniais ou antigas colónias com ambições de potência não é indiferente. Apesar de as antigas potências coloniais Europeias já estarem envolvidas com a União Europeia, a ligação linguística não deixa de ser uma grande ambição. No caso de Portugal por exemplo, o factor linguístico é visto como uma forma de afirmação de um país que nos pretendem impor como pequeno no contexto Europeu mas que tem possibilidade de se afirmar a nível mundial graças aos duzentos milhões de indivíduos a nível Mundial que têm como primeira língua o português. Provavelmente o facto de que mais de cem milhões destas pessoas vivem na pobreza com um acesso muito precário a bens de consumo e são info-excluídos não consta nas mentes dos líderes que formularam tais postulados.
Entendo assim a orientação de Portugal para os países da CPLP com base na língua para atingir a afirmação como um reconhecimento da nossa incapacidade de nos afirmarmos em países mais desenvolvidos e competitivos do que o nosso, [quase como uma forma colonial que um pequeno país Europeu praticou ao longo do século XX] podemos ser muito pouco importantes no panorama Europeu mas se nos orientarmos para os países de língua Portuguesa conseguiremos assegurar um domínio nesses territórios que mais ninguém nos consegue tirar, não faz lembrar nada?
Simultaneamente, é conhecida a dificuldade com que os portugueses lidaram com a perda do império colonial, motivo que ainda hoje é quase tabu. A orientação estratégica do país para as ex-colónias preenche assim também a lacuna que foi deixada pela perda do império aos indivíduos que ainda hoje não imaginam Portugal sem as suas colónias, ou de uma forma mais actualizada, não imaginam Portugal sem os restantes países da CPLP e identificam nesta geopolítica linguística o nosso futuro. A satisfação dos arquétipos saudosistas do Estado Novo e o atavismo decorrente das relações entre Portugal e os países da CPLP revela-se assim como uma trave mestra oculta da estratégia de Portugal na sua afirmação a nível mundial e contribuem para a formação da seguinte dúvida na minha cabeça: qual é afinal o verdadeiro peso deste factor emocional na estratégia portuguesa e ele tem uma preponderância sobre o factor racional? Estarão a realizar uma estratégia que vai ser mais prejudicial do que benéfica para Portugal?
E qual afinal o verdadeiro objectivo da geopolítica linguística? Eu vejo-a como uma forma de satisfação de desejos saudosistas que afastados do tempo do domínio colonial expresso pelo poder político sobre países subdesenvolvidos como foi até ao século XX actualizaram este desejo para um factor metafísico e que aparentemente seria bastante consensual [não estavam a contar comigo...] que é a língua materna. Porque deverá um país ficar amarrado em termos de cooperação e estratégia internacional a outro por partilhar a sua língua?

2 Comments:

Blogger Padawan said...

Não sei quais os verdadeiros objectivos da política geolinguística. Também poderia ser vista como uma jogada dupla, no sentido de não se depender somente da união europeia. porém, no caso de portugal, também aí não se vislumbrem grandes vantagens, a não ser o de algum investimento (brasil, moçambique e angola), facilitado por acção da língua. "pequenos países africanos"? pensei que a áfrica do sul também era parte da commonwealth... pelos vistos não é...

03 junho, 2005 14:01  
Anonymous Anónimo said...

oi joe

gostava de referir que pelo menos no caso da Europa del Este a geopolitica linguistica nos termos em que tu le has planteado remonta nao ao seculo XX senao que com a ascençao do Romantismo - a Hungria é o ejemplo perfeito disso,e este metodo de defensa da lingua que dps se alastrou a outros dominios, com pesquisas historicas, intentos de legitimaçao etc vinieron a posteriori. Un saludo Joana

13 junho, 2005 18:54  

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