14.5.05

Portugal e Brasil - uma autoestrada de indefinições

Recentemente assisti a um fórum sobre as relações entre Portugal e o Brasil que incidiu particularmente sobre as relações políticas, económicas e culturais entre os dois países e que contou com a presença de alguns notáveis da minha faculdade bem como de convidados do Brasil, onde se incluíam o actual embaixador Brasileiro em Lisboa e o reitor da Universidade Federal do Ceará.
Como é sobejamente conhecido, existe uma atracção gigantesca pelo Brasil em Portugal que se revela em todos os aspectos, desde a música e culinária, ao investimento, contribuindo assim para algo que se assemelha a uma autêntica "paixão colectiva" pela antiga colónia Portuguesa. É também notório o fascínio demonstrado por uma parte significativa da elite política e económica Portuguesa que apresenta o Brasil como vector fundamental da projecção Portuguesa no Mundo e como país fundamental para o investimento Português no estrangeiro. Contribuindo para esta visão estão factores essencialmente culturais e linguísticos que servem de base a objectivos estratégicos, os mais proeminentes dos quais são o acesso ao Mercosul através do Brasil e, do nosso lado, sermos o parceiro privilegiado do Brasil na União Europeia, actuando Portugal como porta de entrada do Brasil na UE.
Com estes pressupostos em base, os discursos a que eu assisti apresentados pelos convidados no dito fórum pareciam todos ter como base comum algo que eu até hesito em referir mas que foi o que mais ressaltou ao longo das suas intervenções, ou seja, a propaganda a favor do Brasil. Da parte do embaixador do Brasil em Lisboa assistimos a uma bastante emocionada declaração de intenções no sentido de estreitar cada vez mais as relações entre os dois países com uma vocação quase messiânica e sentido de obrigação histórica dos dois lados a fim de abrir caminho à projecção mútua de ambos na Europa e na América Latina. Não faltou o recurso à expressão "países irmãos" e à língua comum para justificar este apelo, pretendendo o embaixador basear a cooperação entre Portugal e Brasil inteiramente como se de uma consequência do factor histórico se tratasse.
Nem só de emoções metafísicas e messiânicas tratou o discurso do embaixador Brasileiro, houve igualmente espaço para que ficasse patente o pedido do Brasil à Comissão Europeia que removesse as barreiras proteccionistas à entrada de produtos agrícolas Brasileiros na UE, contribuindo assim para o desenvolvimento de um comércio cada vez mais livre entre os dois lados no que diz respeito aos produtos do sector primário. Curiosamente, neste painel não foi permitido à assistência colocar questões à mesa. Se tivesse sido permitido, eu gostaria de ter inquirido o embaixador sobre esta sua posição [que representa o governo de Lula da Silva, ou não fosse a pessoa em questão o embaixador] que advoga o liberalismo para benefício do sector primário Brasileiro e que critica o proteccionismo da União Europeia, quando o governo de Lula da Silva que ele serve advoga uma restrição do livre comércio a nível global, em linha com a sua orientação contra o modelo de globalização neo-liberal por entender que este prejudica gravemente os países em desenvolvimento ao inundar os mercados destes países com produtos transformados oriundos dos países desenvolvidos. Como conciliar as duas posições? Porquê esta incoerência e simultaneamente, despreocupação com os efeitos de uma entrada em grande escala de produtos agrícolas Brasileiros num mercado bastante protegido?
No que diz respeito à política externa Brasileira, é nos apresentada com uma capa de nobreza e mais uma vez, com um espírito messiânico intrínseco ao de um dos maiores países do Mundo. De facto, é perfeitamente possível estabelecer um paralelo entre o Brasil e os EUA neste aspecto, no sentido em que ambos assumem a aspiração a "farol" do Mundo. No caso do Brasil, este pretende afirmar-se como cabeça dos países em desenvolvimento e como maior potência da América Latina, uma agenda que eu considero natural para um país como o Brasil mas que colide com os meus interesses como cidadão da República Portuguesa a partir do momento em que o Brasil pretende utilizar Portugal como veículo da sua afirmação junto da União Europeia.
Com base no que eu referi no segundo parágrafo respeitante ao fascínio exercido pelo Brasil na elite Portuguesa, a política externa Brasileira aposta neste factor como um ponto essencial da expansão Brasileira, revelando assim o que eu pessoalmente considero como a herança negativa da presença Portuguesa no Brasil. Tal como um número substancial de Portugueses não consegue abandonar os arquétipos históricos do império colonial e vêem nas ex-colónias [no caso do Brasil, uma ex-colónia que se tornou independente em 1822] um espaço para a aplicação das suas emoções varridas pelos tempos, a elite Brasileira demonstra uma sintonia com a elite Portuguesa prejudicial aos dois países. Embora o século dos nacionalismos já tenha sido posto de lado, as suas reminiscências são fáceis de encontrar. Tendo em conta que já não é possível atingir a dominação política sobre outro território, no final do século XX e início do século XXI tornou-se comum em Portugal este saudosismo histórico e atávico sobre os territórios descobertos e povoados pelos nossos antepassados, ligados a nós por algo que subitamente se viu promovido a riqueza mundial, ou seja, a língua Portuguesa, que se vê manipulada por interesses políticos e económicos para satisfazer os interesses instalados dos dois lados do Atlântico.
As premissas nas quais se baseia o discurso do lado do Brasil e do lado de Portugal no que diz respeito às relações entre os dois países não é a de construção de relações produtivas entre dois estados soberanos mas sim a de satisfação de interesses das referidas elites, reforçada pelos aspectos que eu já referi: aumento do investimento recíproco entre os dois países, cooperação cultural e, algo que já tem sido reivindicado dos dois lados, o tratamento dos cidadãos Brasileiros por parte do estado Português como "irmãos", um conceito que não conseguem bem explicar mas cuja intenção é simples, elevar o estatuto dos Brasileiros acima dos cidadãos oriundos de outros países, talvez entre o cidadão Português e o cidadão de um país terceiro? Algo que eu não compreendo, visto que o Brasil é um país estrangeiro como qualquer outro e que, na minha opinião pessoal, não está acima de ninguém. Suponho que para os autores de tão belas premissas, a União Europeia é secundária e devemos colocar o Brasil num pedestal mais elevado.
Incessantes são também os discursos que apontam para o potencial do Brasil emergir ao estatuto de grande potência, uma ideia que existe há várias décadas mas que continua por realizar. Gostaria de pegar neste ideia por um ponto bastante simples e estabelecer uma analogia com outros denominados "mercados emergentes": o Brasil é apontado como potência económica do hemisfério sul e como um ponto fundamental dos países em desenvolvimento onde nós deveríamos apostar como vector de projecção da nossa política externa, devido à "ligação histórica" e à língua comum, um factor a que é dada uma importância desmesurada. É notório que no Brasil existem exemplos de desenvolvimento económico e estrutural, de avanços tecnológicos e de integração na economia global, contudo este cenário diz respeito a uma minoria da população, minoria importante, sem dúvida alguma, mas uma minoria que sempre existiu e que parece pouco provável que se venha a alargar contribuindo para criar uma classe média cada vez mais numerosa no Brasil. Enquanto que cerca de 22% da população Brasileira vive na pobreza absoluta [o limiar de 1 Euro por dia], mais de 40% vivem em pobreza relativa com um rendimento a rondar os 90 Euros por mês, subsistindo os problemas sociais que já sabemos quais são, as disparidades regionais e a criminalidade elevada, da qual o maior exemplo será o Rio de Janeiro. De notar ainda que os convidados Brasileiros não se referiram a estes problemas, sendo assim possível que uma pessoas totalmente ignorante em relação ao Brasil saísse da sala a pensar que se trata de um país onde não existe pobreza.
A partir daqui, gostaria de perguntar à elite Portuguesa que apresenta o Brasil como um país maravilhoso, cheio de oportunidades e uma segunda pátria para os Portugueses: não há países onde teremos melhores hipóteses de sermos bem sucedidos ao nível da política externa? Onde estavam as suas mentes quando caiu o Bloco de Leste em 1989 e quando a União Europeia abriu as suas fronteiras a oito países da Europa Central e de Leste em 2004? Para onde estavam orientadas as suas visões estratégicas quando os países do Golfo Pérsico empreenderam uma expansão económica sem precedentes? Porque não demonstraram uma atitude semelhante em relação aos chamados Tigres Asiáticos, que apresentaram melhores progressos que o Brasil ao longo das últimas décadas e constituem exemplos de economias altamente dinâmicas que conseguiram aliviar uma grande parte dos seus problemas sociais?
Serão as nossas elites dominadas por factores histórico-emocionais que apenas vêem o Brasil [e numa outra escala as ex-colónias Africanas] como vector da nossa projecção? Para que estamos na União Europeia afinal? Apenas para que o Brasil nos possa utilizar como plataforma de entrada neste espaço? E no que diz respeito à tentativa do Brasil se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, estaremos a apoiá-los porque achamos que é necessário, ou apenas porque é um país de língua Portuguesa? Qual é então ao certo o peso da racionalidade na elite Portuguesa? Aguardo que mo expliquem, visto que estou à beira de pensar que afinal toda a educação superior que tão distintos indivíduos receberam afinal está submetida a fantasmas do passado dos quais eles não se conseguem desembaraçar.
Quanto aos líderes Brasileiros, porque estarão eles tão interessados num país com dez milhões de habitantes, de 92 000 quilómetros quadrados, com uma localização periférica em relação aos centros de decisão Europeus e que apresenta o mais baixo poder de compra da União Europeia a 15?
Ouso dizê-lo que uma expansão económica do Brasil aliada a relações cada vez mais próximas com Portugal será mesmo perigosa para o nosso país, visto que teríamos um gigante económico em relação ao qual estaríamos cada vez mais dependentes em todos os aspectos. O Brasil precisa de Portugal no seu desenvolvimento? Gostaria muito de saber porquê, se somos um parceiro assim tão necessário para que um dos maiores países do Mundo se afirme, é sinal de que o Brasil nunca será uma potência. Tenho dito.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Grande Joe merece a minha admiraçao o que has escrito. De facto, o que se assite no Brasil é um discurso de politica externa muito bonito mas que nao passa disso. Da minha experiencia de VIDA e nao TURISMO lá as conclusoes que tiro sao muito semelhantes as tuas, e cada vez mais que conheço outros cidadaos do resto de america latina mais aumenta o meu desprezo pela sua crecente americanizaçao, idiotizaçao e perdida de patrimonio social-historico-cultural autoctono do Brasil de modo a se modernizar. Por último gostaria de dizer se os brasileiros querem establecer relaçoes de paises irmaos, entao que comecem a eliminar todos os preconceitos contra os portugueses que existem na cultura brasileira -que é visto como europeo de segunda, objeto de deboche/gozo constante - o portugues é burro, atrasado,etc - se somos assim (e eu me sinto com orgulho de ter crecido em portugal) entonces ´como querem establecer relaçoes amistosas com base em que??? Muito bonito achar que o modelo de desenvolvimento da China é bom, e da India (paises que consigo admirar muito mais pq mantém a suas caracteristicas e se alguma potencia vem se meter com eles num instantinho mandam meter as suas recomendaçoes por onde les pueda caber) chegarao mas qdo? com que modelo? o processo nao é assim tao coerente, o progresso nao é equalitario (gracias Omar de Leon, prof de Economia de America Latina y Heriberto Cairo Cairou de Geopolitica de America Latina por vuestras clases) e os tigres asiaticos tiveram um progresso basado en crecimiento economico sem desarrollo humano, economico, social e muito menos politico. Nao se reduce a un problema economico senao que um problema global. Money makes the world go round mas nao é a unica coisa... ai ai ai que estamos a bater na tecla dos discursos pré fabricados ai ai ai senhores ha que estudar antes de falar

13 junho, 2005 19:12  
Blogger Unknown said...

so pra corrigir o que a forista alice disse,a china nao está se tornando uma potencia mundial agora,este país sempre foi uma potencia,so que nesse período do seculo XX,ficou quase que esquecida por estar em um regime totalitario e em extrema pobreza.Porém,em tempos passados a china era de longe o país mais próspero e rico do mundo.Para se ter uma noçao disso,basta analizar que se nao fosse as invençoes chinesas,talvez o mundo tivesse um traçado e um destino bem diferente hoje.por exemplo:sem a bulsola, inventada por eles, talvez a America teria sido descoberta muito depois e portugal nao se tornaria uma potencia naquela época.este e so um exemplo de como a china contribuiu para a formaçao do mundo como esta hoje,e sempre foi subjulgada como um país de um povo pobre e hostil.

17 novembro, 2007 21:23  

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