14.11.04

America: The Book

Como penalização por ter descurado o blog nas últimas semanas eu devia aplicar-me um castigo digno de fazer Tomás de Torquemada sentir-se insignificante - e olhem que isso é difícil. Talvez eu devesse praticar a autoflagelação durante uns dias...

Seja como for, quem me conhece sabe que eu sou um grande seguidor do 'Daily Show with Jon Stewart' e que sempre que posso, durante uns 25 minutos diários, a minha atenção é canalizada para essa pérola televisiva que é bem melhor do que os telejornais ditos "sérios", isto apesar do lag a que estamos sujeitos na SIC Radical, felizmente temos a Global Edition todos os fins-de-semana na CNN!

Ora, se têm acompanhado o programa ultimamente devem ter visto que o apresentador&equipa lançaram um livro chamado "America: the Book" que era anunciado no seu pseudo-telejornal. Quando vi aquilo pela primeira vez julgava que se tratava de uma perspectiva pessoal dos autores ao sistema eleitoral Americano com algumas piadas pelo meio, mas que essencialmente era uma espécie de ensaio alargado sobre os EUA com o estilo a que tão espectacular equipa já me tinha habituado. Na verdade, trata-se de algo muito mais alargado e que me surpreendeu bastante quando peguei no livro pela primeira vez. Na verdade, "America (The Book) A Citizen's Guide to Democracy Inaction" (o título completo do livro) é um autêntico manual de Ciência Política construído a partir de uma perspectiva incrivelmente satírica e que ultrapassa os partidarismos a que poderíamos associar o staff do Daily Show quando apenas vemos o programa diário.

Organizado cronologicamente, o livro cobre vários aspectos relativos à democracia nos EUA e no Mundo, começando pelas origens do sistema democrático - desde os tempos remotos da na nossa espécie, em que os caçadores-recolectores formaram os primeiros sistemas bipartidários por todo o mundo, passando pelas primeiras civilizações, Idade Média, Renascimento, Iluminismo, até à Revolução Americana e por aí fora. Segue-se uma explicação muito própria dos órgãos de soberania Americanos, das campanhas políticas nos EUA, do papel dos media e uma breve explicação sobre a perspectiva Americana em relação ao resto do mundo.

Entre as muitas pérolas que se encontram neste livro, realço aqui algumas:
- na secção reservada aos "Founding Fathers", são focados os pontos positivos e negativos de cada um, na coluna de George Washington é destacado, nos pontos positivos : "In his will, ordered Martha to free their slaves after her death. A nice gesture. Unfortunately, Martha lived to be 197 years old"

- a folha chamada "News Calculus", a matriz para a cobertura noticiosa dos eventos por parte dos media, onde, entre outros factores, no que diz respeito à contagem de cadáveres, é apresentada a seguinte fórmula: "2000 massacred Congolese = 500 drowned Bangladeshis = 45 fire-bombed Iraqis = 12 car-bombed Europeans = 1 snipered American"

- não posso deixar de focar a referência a Portugal na secção "Old Europe", no registo dos conflitos Europeus, Portugal aparece classificado com 16 vitórias, 9 derrotas e um coeficiente de .640. De acordo com a sabedoria dos autores, a nossa pontuação bélica é de 16-8 na água, mas de 0-1 em terra

- as infintas e inteligentes paródias à iconografia política Americana e as inovadoras interpretações de Platão, Sócrates e dos principais ideólogos da Revolução Americana na Era Moderna

Por estes e muitos mais motivos, eu recomendo esta pérola literária a toda a gente que eu conheço! Ok, isto é exagerado, digamos apenas, a toda a gente com quem eu já partilhei perspectivas. O trabalho desenvolvido pelos autores é de tal forma detalhado e profundo que eu nem sei se o hei-de considerar como um livro de sátira política ou como uma tese sobre uma abordagem alternativa à democracia! Ah, não percam a tabela de comparação dos regimes políticos - desde a democracia, passando pela cleptocracia pós-comunista e pelo estatuto de território ocupado - e o quadro das grandes Revoluções da História da Humanidade - Americana, Francesa, Russa, Cubana, Iraniana e Digital.

Tenho vontade de me despedir com um "momento Zen", como se faz no Daily Show, contudo fiquei de tal forma curvado perante esta obra que reconheço não ter nem um milésimo da qualidade da equipa de autores para o fazer. Assim, despeço-me com toda a normalidade e lembrem-se, no nosso país, um voto representa 0,0000001 da população, por isso não pensem que o vosso voto não conta!!

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