30.12.04

O final macabro de 2004...

O conteúdo desta minha última contribuição do ano de 2004 para o blog não podia deixar de estar ligado à tragédia que assolou a Ásia Meridional no dia 26 de Dezembro e que compromete seriamente o futuro da região.

Apesar de o sabermos perfeitamente, nunca deixamos de ficar espantados ou até horrorizados quando a natureza ataca com todas as suas forças. Tentamos desenvolver meios capazes de contrariar a acção natural mas nunca o conseguimos plenamente, o máximo que podemos fazer é prevenir algumas consequências e suavizar o impacto das acções. Na Ásia Meridional tal não aconteceu.

A própria existência do nosso mundo, como o conhecemos hoje, é resultado de inúmeras mutações e violentas modificações geológicas ocorridas ao longo dos milénios que tiveram como consequência a configuração que os continentes hoje possuem, a orografia dos terrenos, a disposição dos rios e lagos, cujo impacto na época em que ocorreram terá sido concerteza brutal. O terramoto e o tsunami com que os países da região foram confrontados é mais um exemplo do que acabei de referir, uma variável perturbadora (talvez até necessária ao equilíbrio terrestre, quem sabe?) que irá modificar o nosso planeta de agora em diante de formas por enquanto incalculáveis, mas é certo que a ilha de Samatra foi deslocada 30 metros para sudoeste e que o movimento de rotação da Terra foi perturbado. Só a constatação destes dois factos seria suficiente para inferir da gravidade e importância do ocorrido além do plano da tragédia Humana causada pela acção da natureza.

Mais arrepiante ainda, quando o número de vítimas que todos os dias aumenta podia ter sido, não completamente evitado, é certo, mas significativamente minimizado, se se tivessem verificado uma série de circunstâncias: a existência em cada país afectado de um sistema de protecção civil minimamente eficiente, capaz de lançar alertas e enviar forças de apoio e resgate num curto intervalo de tempo, bem como mobilizar os meios necessários para esta acção; uma maior coordenação e esforço de cooperação por parte dos estados do Sudeste Asiático e da região do subcontinente Indiano numa tentativa conjunta de fazer frente a tais catástrofes que não distinguem fronteiras – sobretudo numa região já historicamente atormentada por catástrofes naturais terríveis – e que deveria, há já algum tempo, ter sido posta em prática, pois não se trata de nenhum projecto de integração política que implique uma perda significativa de soberania [há alguns meses atrás, os governos da região optaram por não implementar um sistema de alerta de tsunamis por considerarem que não era prioritário]; um sistema político em cada um dos estados afectados mais consciente e que fosse capaz de, face à pobreza que afecta uma grande parte da população, proceder a uma administração mais competente, transparente e organizada do bem comum, ao invés do caos a que assistimos nos últimos quatro dias.

Sem dúvida que se tratam de países pobres, com poucos meios para fazer face a tais catástrofes mas não podemos condenar a uma sorte macabra os milhões de cidadãos de países pobres pelo mundo fora, aceitando essa informação e resignando-nos à arbitrariedade dos acontecimentos naturais, agindo apenas numa lógica de reacção (ineficiente), ao contrário da prevenção que domina a forma como se lida com catástrofes naturais nos países desenvolvidos. Já vimos, ao longo das últimas décadas, que apesar da pobreza, um estado é capaz de nos surpreender pela positiva [e pela negativa também], o facto de um estado não ser capaz de proporcionar à sua população um nível de vida aceitável não significa que não existam verbas para implementar um programa da prevenção de catástrofes naturais, um sistema de aviso antecipado para casos como este ou até, atrevo-me a tocar neste assunto, armas nucleares.

Se no dia de hoje, o balanço de mortos na região em consequência do terramoto e do tsunami ultrapassa os 80 000, uma grande parte destas vidas perdidas é da responsabilidade dos governos locais, incapazes, ou melhor, ineptos, e que não foram capazes de responder minimamente às necessidades da sua população, quer em tempo de bonança, quer em tempo de tragédia. Após a ocorrência, as equipas de resgate, devido à ausência de meios, demoram o tempo necessário para que o número de vítimas aumente e se o esforço de ajuda por parte dos países estrangeiros não for suficiente para fazer face à tarefa gigantesca que se lhes apresenta pela frente, em breve teremos epidemias a grassar pela região, já de si insalubre e sujeita a doenças endémicas.

Os povos da região, alheados de tudo o que referi anteriormente, vêem-se a braços com aquela que é possivelmente a maior catástrofe natural dos últimos 50 anos e milhões de pessoas viram as suas vidas praticamente desfeitas, tal como as suas posses e as suas perspectivas de futuro. Face à inépcia dos sistemas políticos da região, os povos da Ásia Meridional têm a razão do seu lado, se optarem por seguir uma estratégia de protesto generalizado e de reivindicação por melhores serviços prestados por parte das autoridades que supostamente os deveriam ter protegido da catástrofe.

Dificilmente eu imagino algo semelhante a acontecer na região, uma consequência dos baixos índices de educação da maioria da população em países como a Índia, Sri Lanka, Maldivas, Indonésia e Tailândia. Não há nada pior para a civilização do que um estado que não lhe oferece uma resposta minimamente adequada e a população da Ásia Meridional é prova viva disso mesmo.

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