1.7.04

Incertezas&encruzilhadas...

Cá estou!
Como as férias já começaram agora estou muito mais liberto!
E eis que temos a surpresa de ver o PM Português convidado para presidir à Comissão Europeia e a aceitar o cargo.
Depois de várias hipóteses, entre as quais António Vitorino, Chris Patten e o PM Belga, Guy Verhofstaedt, subitamente surgiu o convite a Durão Barroso.

De acordo com as fontes da UE, a figura de Durão Barroso era apontada como a mais consensual por se tratar de um chefe de governo (condição relevante para o cargo) de um país pequeno (mais outra condição relevante) e de assumir uma posição moderada em assuntos políticos, quer no que diz respeito a temas relacionados com ideologia partidária, quer nos assuntos internacionais. Os anteriores candidatos apresentavam demasiados oponentes que lhes apontavam pesados argumentos contra, como por exemplo, falta de Europeísmo e a proveniência de um Estado demasiado próximo dos EUA não integrado na Zona Euro (Chris Patten, o último governador Britânico de Hong Kong), federalismo excessivo e demasiado próximo do eixo Paris-Berlim (Guy Verhofstaedt) ou falta de experiência de chefia de um executivo e família política (António Vitorino).

O convite se por um lado é honroso e reconhece as qualidades que apontei ao PM Português, pode levantar algumas dúvidas, nomeadamente se a escolha de um político de um país pequeno sem grande relevância no panorama Europeu não terá sido a "menos má" de todas as hipóteses, ou seja, alguém que será um Presidente de Comissão bastante brando, facilmente instrumentalizado pelos grupos de pressão mais poderosos. Quanto a isso, apenas podemos especular.

O mais problemático é a situação que isso deixa em Portugal. O actual governo foi eleito nas eleições legislativas de 2002 e deparou-se desde o início do seu mandato com a iminência de uma crise que se preparava para se instalar no país a qualquer momento, cujos indícios já eram notáveis em 2001. As medidas de austeridade tomadas pelo executivo foram marcadas por uma grande impopularidade, como é óbvio quando se tratam de medidas destinadas a combater uma crise deste género.
A recessão instalou-se no país, o desemprego aumentou devido aos despedimentos e falências de empresas e o consumo retraíu-se em consequência da perda do poder de compra, acompanhado por uma quebra da confiância dos consumidores. Ao mesmo tempo que o governo anunciava as medidas como absolutamente necessárias e sempre que possível, refugiava-se na responsabilidade do anterior governo, culpando-o por basicamente tudo o que se passava e fazendo papel de vítima, a oposição atacava as medidas do governo e instrumentalizava a opinião pública, através da repulsa por qualquer medida que tivesse origem no governo, mesmo se o anterior executivo tivesse feito a mesma coisa. Notório o caso da guerra do Iraque, em que a oposição em peso protestou energicamente contra o apoio do governo Português à acção desencadeada pela coligação Anglo-Americana mas cujo rosto mais influente, o PS, apoiou igualmente uma acção militar contra um Estado soberano em 1999. Obviamente que há cinco anos atrás Portugal tinha a obrigação de cumprir os seus compromissos para com a Aliança Atlântica, mas a legitimidade da acção foi sempre posta em causa. Contudo, o governo PS da altura colocou-se ao lado da NATO, situação análoga à que se viveu em 2003 na qual Portugal pouco mais fez do que cumprir um compromisso para com os seus aliados.

Voltando à situação dentro das fronteiras do Estado Português, as crises são cíclicas e impossíveis de evitar em Estados democráticos com um regime de livre economia de mercado. São possíveis de atenuar e até de adiar mas de evitar, é pura e simplesmente impossível. Contudo, a opinião pública é um factor essencial e ao fim de 2 anos de governo PSD-CDS, a popularidade do executivo atingiu o ponto mais baixo, como foi comprovado recentemente não só pelos resultados das eleições Europeias mas por uma sondagem divulgada pouco depois do acto eleitoral, que apontava para uma vantagem de 15% do PS sobre a coligação governamental.

Obviamente que perante a saída de Durão Barroso para Presidente da Comissão Europeia, o PS exige eleições antecipadas, aproveitando o momento e a oportunidade única de alcançar uma maioria absoluta na AR e substituir os milhares de boys PSD-CDS pelos boys do Largo do Rato. No ponto em que nos encontramos é praticamente impossível a popularidade do governo cair mais, ao mesmo tempo que os indicadores apontam para o início da recuperação ainda durante este ano, prevendo-se um pequeno aumento do PIB em 2004 e um aumento credível em 2005, lançando assim um período mais favorável para a economia Portuguesa. Por isso mesmo, o governo dificilmente terá mais medidas altamente impopulares a adoptar, contudo o eleitorado ainda não se aparecebu disto. É por este motivo crucial para o PS que se realizem eleições antecipadas nos próximos 2-3 meses antes que sejam visíveis índices da recuperação económica, para evitar que a opinião pública mude de visão e resolva premiar o executivo com um novo mandato nas eleições legislativas de 2006.

Antendendo a tudo isto, as eleições antecipadas que dariam uma vitória esmagadora ao PS iriam abrir caminho para a tomada de medidas populistas por parte de um executivo liderado, talvez por Ferro Rodrigues ou talvez não, que assim emergeria à face da opinião pública como o governo que salvou Portugal da crise (e sem intenção acabariam por estabelecer uma analogia com o Estado Novo, que ironia!Tudo pela Nação, nada contra a Nação!) e como responsável da recuperação, ficando o executivo PSD-CDS visto como uma mancha na História recente Portuguesa e como o governo que lançou Portugal na maior recessão dos últimos anos.

Se a popularidade do executivo fosse o oposto daquilo que é hoje, o PS provavelmente nunca se atreveria a pedir eleições antecipadas. Contudo, este partido socialista difere do resto dos partidos da oposição com assento parlamentar ao defender e apoiar a ida de Durão Barroso para a Comissão, acto que é atacado pelo PCP e BE e acusado de irresponsabilidade e de quebra de compromisso. No entanto, estes dois partidos acabam por pedir também eles eleições antecipadas, apesar de estarem completamente contra o factor que está na origem da convocação de um novo acto eleitoral.

O que nos leva mais uma vez ao núcleo da questão, pelo menos do meu ponto de vista: como resolver o problema resultante da sucessão? A oposição exige eleições antecipadas, ao passo que a posição do governo passa pela eleição de um novo presidente do partido (Santana Lopes foi hoje eleito para o posto) e posterior confirmação de um novo executivo liderado pelo dito número um do PSD, por parte do Presidente da República. O PR vê-se assim confrontado com aquilo que será provavelmente a decisão mais difícil desde que foi empossado. Por um lado, em nome da estabilidade política, a decisão mais lógica a tomar seria a de aceitar o novo (talvez nem tanto...) executivo liderado por Santana Lopes enquanto que do ponto de vista processual e para dar uma aparência plenamente democrática, a decisão seria convocar eleições antecipadas. Contudo, como já disse, eleições antecipadas significam concerteza uma maioria absoluta do PS o que provavelmente resultaria numa mudança aparente da agenda política em vários sectores mas cujos benefícios iriam à mesma recair sobre milhares de boys que iriam alternar com os actuais beneficiários do PSD-CDS. Ou seja, iria prejudicar a estabilidade do país.

Quanto às acusações de fuga dirigidas ao PM, eu refuto-as com base nos argumentos acima indicados. A popularidade bateu no fundo, ou seja, a partir daqui só pode aumentar e o grande cavalo de batalha do PSD a partir daqui será a recuperação da economia Portuguesa, por isso não faz sentido que Durão Barroso queira abandonar o navio nesta altura. A UE não é nenhum exílio para políticos indesejados nem é nenhum poleiro para políticos gastos e que já não oferecem surpresas a ninguém no seu país, embora Mário Soares tenha tentado ser eleito Presidente do Parlamento Europeu. A UE representa não só o passado recente mas também o presente e o futuro de Portugal e dos seus parceiros Europeus. O convite para Presidente da Comissão, sejam quais forem as motivações, constitui uma oportunidade única de transpôr os limites impostos pela exiguidade das fronteiras estatais (e no caso Português elas são mesmo muito exíguas sob todos os pontos de vista) e acusar um político de se refugiar no cargo de Presidente da Comissão Europeia torna plausível a hipótese de colocar a quem o acusa de fuga a seguinte questão "Mas por acaso sabe que Portugal é membro da UE?". 50% ou até mais das leis em vigor no Estado Português têm origem na União Europeia. A estreita interdependência entre os Estados dentro da organização significa que as barreiras são cada vez mais ténues e que a dinâmica resultante da interacção entre os 25 Estados membros torna possível que o benefício de um seja o benefício de todos ao nível das grandes decisões, aplicando-se devidamente a subsidariedade às questões em causa.

O cargo de Presidente da Comissão torna ainda possível para quem o exerce de por em prática uma agenda que seria impossível de realizar na política interna do seu Estado, abrindo assim caminho para uma estratégia de alcance verdadeiramente global, ou não seria a UE o maior e mais poderoso bloco comercial do mundo, com Estados bastante influentes dentro de si, entre os quais dois membros do Conselho de Segurança da ONU e quatro membros do G8 e dando assim a possibilidade ao órgão comunitário de tomar parte na fixação de decisões na agenda internacional juntamente com outras potências, como os EUA, o Japão ou a China.

Quanto às pessoas que simplesmente usam o argumento de que Durão Barroso vai ganhar cerca de cinco vezes mais o que já ganha como PM, isso não tem razão de ser, afinal qualquer chefe de governo após o final da sua legislatura - e se não tiver em mente uma candidatura num acto eleitoral próximo - rapidamente recebe uma oferta para um cargo cujo vencimento é estupendamente elevado e no qual tem bastantes menos responsabilidades do que no órgão executivo comunitário que representa mais de 425 milhões de cidadãos Europeus.

A solução mais indicada? Qualquer delas tem as suas vantagens e desvantagens, apenas a tomada da decisão e as suas consequências vão revelar se de facto foi a mais apropriada para o Estado Português ou não. Afinal, uma má decisão política no âmbito do Estado Português terá também consequências ao nível da UE.

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