9.6.04

Redefinições no grande teatro onde nos encontramos.

Hoje foi o dia da frequência de estratégia. Como sempre, eu devia ter estudado mais do que na realidade estudei. Ter lido algumas (poucas) partes da matéria durante as últimas férias não me serviu de muito e eu acabei por só estudar seriamente nos 3 dias antes da frequência, ou seja, ainda estava eu na ressaca da maravilhosa 6ª feira do Metal, com os ouvidos a zunir e tudo, e estava a investir na matéria.
Mas apesar de tudo, a frequência até deu para fazer com bastante fluidez, as perguntas eram muito concretas e só faltou lá estar escrita a resposta. No segundo grupo, a questão a que eu respondi sobre a UEO tinha um tópico em que era pedido para nos referirmos às relações entre a UEO e a NATO e qual o seu futuro. Ora isto não deu p/desenvolver plenamente como eu queria, porque, e para variar, o final da última pergunta vai sempre coincidir com o final do tempo, ou seja, é tudo prá frente!

Visto que a UEO foi este ano incorporada na União Europeia, após cerca de 13 anos de trabalho conjunto a executar as decisões no plano militar da UE, é bastante visível que esta incorporação (e extinção jurídica da UEO, cumprindo assim o prazo de 50 anos da vigência do tratado) demonstra uma grande vontade da UE em desenvolver a sua própria política de defesa e de segurança, deixando de estar dependente dos EUA para estas questões. Afinal, já não existe uma ameaça, sobre a forma de Pacto de Varsóvia, que paire sobre a Europa Ocidental, ex-países comunistas são hoje membros da NATO e da UE e os conceitos estratégicos foram alterados. Lógico que se levantam logo vozes discordantes nos EUA e dentro da própria Europa, entre defensores de uma Europa independente no aspecto da defesa e defensores de uma ligação aos EUA. Coisa que aliás, faz todo o sentido. Estas divergências provêm de uma falta de esclarecimento por parte dos dirigentes e de uma agenda internacional ainda dominada pelos EUA que nos convence que o poder mais importante é o poder militar, que se tivermos um sector defensivo bem equipado e com capacidade de projecção global podemos obter uma projecção global estável do poder político, económico, cultural, etc... É óbvio que é importante ter Forças Armadas eficazes e bem equipadas, mas as FA não constituem a espinha dorsal do desenvolvimento e da estabilidade de um país. O próprio conceito de defesa nacional Portuguesa refere a defesa nacional como uma actividade "desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos". Se por Estado podemos interpretar essencialmente as FA, no que diz respeito aos cidadãos o caso é bastante diferente.
Além disso, é claro para todos que os EUA coleccionam inimigos ao longo dos tempos. Durante o séc. XX não foi pequeno o número de Estados que mostrou a sua oposição e mesmo desagrado face aos Estados Unidos, Estados que acabaram por desenvolver políticas ofensivas contra a superpotência e que foram denominados "Estados párias" por Washington, talvez porque os EUA consideram tudo o que vai contra si como desviante a nível global. No entanto, é raro encontrar inimigos declarados da UE, só alguns partidos políticos dentro da própria União...

Obviamente, os atentados terroristas mais recentes vieram mostrar que esta ameaça do início do século XXI não se dirige concretamente contra uma unidade política, mas sim contra a comunidade internacional, pelo menos é isso em que eu acredito. Se isto for aquilo que os EUA querem que eu acredite, então conseguiram, afinal foi preciso acontecer os atentados de 11 de Setembro para que a luta contra o terrorismo fosse colocada nas agendas de uma série de Estados. Até aí, quase parecia que o terrorismo internacional era praticamente nulo, quando na verdade imensos Estados sofrem há décadas com este problema. Por isso, se antes da tomada de consciência do "inimigo terrorismo internacional" até seria aceitável passar as FA para um plano secundário ou ainda mais, hoje em dia já não é completamente assim, embora seja essencial que os Estados não se tornem em feudos militares devido à obssessão com a segurança.

Com isto quero dizer que devido à natureza da ameaça, é quase impossível determinar concretamente quais são as actividades que colocam em risco o espaço abrangido pela NATO e que dizem respeito a esta e quais as actividades que merecem a atenção e a intervençao da UEO e da futura Força de Reacção Rápida Europeia, projecto ambicioso, sem dúvida, mas marcado por uma inércia política. Talvez porque a Europa continue a achar que por ser diferente dos EUA não necessite de se afirmar globalmente no plano militar. Mas por outro lado, o esforço de integração Europeia, que já consituti hoje em dia algo até mais coeso do que uma Confederação sob alguns pontos de vista, implique necessariamente um desenvolvimento do factor militar, sem nunca entrar nos exageros dos EUA que devido à sua condição de única superpotência necessitam de uma máquina militar cada vez mais dispendiosa para poderem projectar o seu poder a nível global, incluindo nesta esfera o antigo inimigo, que apesar de se ter democratizado continua a olhar com suspeição a presença militar Americana, nomeadamente na Ásia Central. Como paradigma da integração supranacional, a UE pretende dotar-se de uma Força de Reacção Rápida ou até de algo mais que isso que lhe permita ser vista como um único Estado coeso face ao exterior das suas fronteiras, mantendo as existências dos Estados que a constituem.

Mais uma vez, coloca-se a questão: quais são as competências da NATO e quais são as competências da UEO? Afinal, todos os membros da UEO (10 Estados) são membros da NATO (26 Estados), o que pode, nas cabeças de alguns decisores, formar uma imagem de vassalagem Europeia à Aliança Atlântica, talvez de uma força Europeia manipulada por Washington para fazer o seu trabalho sujo...Não será certamente isto que os Europeus querem, pelo menos não é o que eu quero. Uma corrente aponta para que a NATO desempenhe missões de artigo 5º do tratado do Atlântico Norte, ao passo que a UEO desempenharia missões fora do âmbito do artigo 5º, ou seja, implicaria envolvimento em missões de paz, provavelmente dentro e fora da Europa. No entanto, a NATO já desempenhou missões que não se incluíam no dito artigo e até executou acções de ingerência humanitária (operação Força Aliada, 1999). Qual será então o futuro?

É muito difícil avançar com um projecto de defesa Europeu sem vontade política dos dirigentes da UE, acrescentada às divergências existentes dentro da União com diferentes perspectivas sobre a segurança e defesa. Além disso, os Estados neutros que fazem parte da UE (Irlanda, Finlândia, Suécia, Áustria) irão também tomar parte em semelhante projecto? Se no que diz respeito a missões de manutenção da paz esta questão pode não clocar grandes problemas, ela pode já trazer complicações se a UE se deparar com uma situação na qual é necessária uma retaliação militar ou um ataque preventivo, face a indícios que apontem para um ataque iminente. Estes Estados aceitarão perder a sua neutralidade em nome da integração no projecto Europeu? Afinal, a UE não é apenas mercado comum e abertura de fronteiras, como muitas pessoas parecem pensar. Irão estes Estados considerar a UE como um interesse a defender como se do próprio Estado se tratasse e assim incorporar plenamente a defesa da Europa na sua defesa nacional, acabando assim com os problemas que a violação da sua neutralidade lhes poderia trazer?

Ao mesmo tempo que os Europeus discutem estes e outros assuntos, os EUA continuam a desenvolver a sua máquina militar e a sua tecnologia, confiantes na sua condição de superpotência como principal orientadora da agenda internacional. Enquanto existir um gap tecnológico entre EUA e Europa não existirá autonomia da defesa Europeia, ao mesmo tempo que enquanto não houver uma mentalização completa por parte dos dirigentes Europeus de que um exército e um Força de Reacção Rápida para a Europa serão benéficos, a dita autonomia não se concretizará. Mas ainda outra vez, volto a perguntar, como distinguir competências NATO de competências UE? Não pode ser só a entrada em jogo do factor Norte Americano, afinal a UE tem interesses na América do Norte e vice-versa. As duas organizações não podem existir de costas voltadas, actuando ao mesmo tempo, no mesmo cenário mas sem cooperação, isso é inconcebível, talvez uma partilha de competências dentro da mesma missão seja mais indicado. Por outro lado, esta partilha pode levantar uma série de problemas jurídicos e burocráticos, tornando assim difícil de distinguir quais os diferentes papéis a desempenhar pelas duas organizações.

A meu ver, o problema no núcleo desta questão é a integração Europeia que ainda não foi plenamente concluída. Após mais alguns anos de esforço de integração, será possível definir com precisão o que é um interesse da UE, quando é que ele está em risco, quando é que a organização está ameaçada, qual é a força a designar para a situação e quais vão ser as suas funções, para evitar diferendos com a NATO, desenvolvendo assim ao longo do século XXI uma parceria Euro-Atlântica baseada na complementaridade e não na concorrência e desconfiança.

Que raio, porque é que não escrevi isto na frequência??!!
Boa noite!

Click Here