18.2.07

Voltamos à mesma?

Não me pronunciei antes sobre o assunto porque queria ver de que forma iria a sociedade reagir aos resultados do referendo de domingo passado.

À distância de uma semana, reina alguma confusão nas cabeças dos eleitores. O referendo teve uma participação inferior a 50%, logo não é vinculativo. Mas o PM afirmou que a lei que irá despenalizar a prática do aborto vai ser alterada reflectindo a pergunta que foi colocada no dia 11.

Isto significa o quê? Significa que, tivesse a participação sido superior a 50%, o poder iria aceitar o resultado vinculativo do referendo, fosse ele qual fosse. Tivesse ganho o “não”, a lei não seria alterada, tivesse ganho o “sim” a lei seria alterada. Uma vez que a abstenção esteve acima dos 50%, o resultado não é vinculativo. O que aconteceu foi que o poder resolveu por iniciativa própria alterar a lei, não por vinculação legal ao resultado do referendo, mas por leitura política. Por outras palavras, tivesse o “não” vencido com uma abstenção acima dos 50%, é possível que o PM tivesse anunciado que não iriam ser feitas alterações na lei.

Acho que por aqui estamos esclarecidos. Moving on, parece não existir consenso [ou esclarecimento] em relação a uma questão muito importante: como vai ser cumprida a lei? É óbvio que os hospitais públicos se encontram já bastante sobrecarregados e que as listas de espera para consultas e intervenções cirúrgicas são um mal que não é tratado com seriedade pelas autoridades, apesar de serem verdadeiramente embaraçosas para o país e perigosas para a população. Aqui surge já uma grande preocupação: se as mulheres que vão realizar abortos [legais] são, na sua maioria, mulheres de fracos recursos e oriundas de níveis socio-económicos baixos, como poderão fazer um aborto seguro numa clínica privada?

Aqui o peso da questão já não recai sobre a prática do aborto propriamente dita, mas sim sobre a [des]organização do Estado. Afinal, parece mal concebida uma lei que permite realizar abortos em hospitais públicos mas cujos estabelecimentos não dispõem de pessoal ou de meios técnicos para comportar os casos que lhes aparecem pela frente.

Seria motivo para nos preocuparmos…alguns, eu não. Como já aqui disse, na qualidade de um acérrimo defensor da liberdade individual e do individualismo extremo [que alguns chamariam de egoísmo mas esse problema não é meu], é um problema que deve ser resolvido pelo Estado e o facto de existirem mulheres grávidas no meu país a realizar abortos em grande número com ou sem condições é me indiferente. Nesse sentido, sou virtualmente desprovido de consciência social. Acredito no papel do Estado enquanto sujeito na criação de um nível de vida digno, mas o que cada indivíduo faz com as suas oportunidades [ou falta delas], não me diz respeito. Enquanto a situação não invadir a esfera particular de outros indivíduos [ou seja, um aborto aos 4 meses sem motivos médicos não só está errado como é extremamente perigoso para quem o pratica], não me diz respeito. Da mesma forma, espero um tratamento semelhante em relação a mim - nenhum outro cidadão tem o direito de emitir juízos de valor ou de se pronunciar sobre a minha vida privada.

O que continua a ser interessante é que na nossa sociedade, temas que são muito menos relevantes do que parecem são debatidos até à exaustão, enquanto temas de grande relevância passam virtualmente despercebidos. Voltando à minha perspectiva pessoal [se não a querem ler, vão a outro blog, o que não falta por aí são blogs], em Portugal devíamos ultrapassar este marasmo que paralisa o país em torno de questões de menor relevância. É por este motivo que deviam ser aprovadas ao longo dos próximos anos as seguintes medidas: despenalização da eutanásia, legalização do casamento homossexual e da adopção de crianças por casais homossexuais, legalização da clonagem e da investigação com células estaminais. Em relação às drogas leves, não conheço a situação, mas em Portugal ninguém pode ser preso por fumar erva. Já agora, agradecia também a interdição de fumar em espaços públicos fechados [e quando digo isto, digo em TODOS os espaços públicos fechados - restaurantes, cafés, bares, discotecas, recintos desportivos, etc] e a redução do limite de álcool no sangue para 0,2 g/L.

São medidas que podem ser adoptadas e implementadas sem metade do barulho de fundo que podem criar e que não merecem nem um terço dos maus agoiros que muitos lhes poderiam traçar.

Agora que já ultrapassámos isto [espero eu], podemos avançar para assuntos realmente importantes?

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