Referendo no Montenegro
Amanhã realiza-se um referendo no Montenegro, um dos dois estados que constituem a Federação da Sérvia e Montenegro, cujo resultado irá ter uma de duas consequências possíveis: a actual situação de associação com a Sérvia ou a independência.
O que pode ser visto como a peça final para desagregação completa da Jugoslávia, tem uma importância relativamente pequena, apesar do valor que os montenegrinos estão a dar à questão. Encontramos estados federais na Alemanha, nos Estados Unidos da América, no Brasil e na Rússia, por exemplo e apesar de existirem condicionantes locais, o modelo não varia. Uma federação implica um largo grau de autodeterminação aos seus estados constituintes, enquanto o governo federal se ocupa das matérias da defesa nacional, da representação externa e da política económica. Por outras palavras, os aspectos do dia-a-dia são tratados ao nível das instituições locais, sendo que os governos estaduais possuem as suas próprias políticas educativas, códigos penais, legislação comercial, política de investimentos, etc.
Em muitas situações, o estatuto de estado federado, como parte de uma federação está relacionado com a existência de uma população com uma língua, cultura e/ou religião distinta de outros estados parte dessa mesma federação.
No caso do Montenegro, a própria política monetária é decidida não pelo governo federal mas de uma forma mais difusa, uma vez que o Montenegro utiliza o Euro como moeda, embora formalmente não faça parte da zona Euro. Por este motivo, podemos dizer que, de facto, quem decide a política monetária do Montenegro é o Banco Central Europeu. Anteriormente à utilização do Euro, o Montenegro utilizava o Marco alemão desde 1996.
Qual é afinal a razão da independência do Montenegro? Não existiu conflito militar com a Sérvia nem tensões ao nível da sociedade. A grande maioria dos montenegrinos afirmam que a sua língua materna é a língua sérvia, havendo uma parte da população que declara falar montenegrino, língua que não existe e que consiste na língua sérvia com algumas variantes vocabulares. Não existe nenhum estrangulamento do Montenegro por parte do governo federal, uma vez que fora a defesa e os negócios estrangeiros, o Montenegro possui soberania própria, logo, a independência não será sinónimo de investimento estrangeiro e maior prosperidade. Motivos históricos? Dificilmente, uma vez que a história do Montenegro não dá motivos suficientes de separação em relação à Federação da Sérvia e Montenegro, para a qual o Montenegro contribuiu de sua livre vontade.
É simplesmente o resultado de uma endoutrinação e do comunitarismo reinante que se verifica ao nível micro e ao nível macro em todo o Mundo. A partir do momento em que um grupo de indivíduos se começa a percepcionar como possuidores de características que os distinguem de outros próximos de si, está concluída a primeira etapa de um processo que pode conhecer desenvolvimentos violentos e conflituosos. Quando isto é aproveitado com propósitos políticos, temos situações como esta. Felizmente, no caso do Montenegro, não existe ameaça de conflito, mas existiu em inúmeras outras.
Se observarmos o caso através de outra perspectiva, chegamos a uma conclusão diametralmente oposta à que foi apresentada. A de que a independência do Montenegro será o ponto final numa união que nunca devia ter existido. A antiga Jugoslávia, como consequência do Tratado de Versailles que foi, não tinha razão de existir. Não fazia sentido unir o que nunca esteve unido, durante sete décadas os sentimentos nacionalistas e o comunitarismo da população nunca foi apagado, apenas sublimado e esquecido. A falência do modelo ideológico unificador levou as populações a voltarem-se para os seus antigos elementos identitários, bastando juntar o radicalismo político que inflamou multidões naquele país para tornar possível o pior conflito europeu desde a II Guerra Mundial.
Terminado o regime comunista, a História foi corrigida, da pior maneira. O processo ainda não terminou, ao referendo do Montenegro vão suceder as negociações para o estatuto final do Kosovo e que poderão resultar na independência daquela província sérvia de maioria albanesa que nunca teve o estatuto de república que os outros constituintes da ex-Jugoslávia tiveram. Podemos ver nesta questão, pelo menos parcialmente, um regresso ao passado, o desagregar da já ténue linha que manteve os habitantes da antiga Jugoslávia unidos em torno de um projecto único.
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