16.9.06

Justiça poética

Tem um certo interesse verificar que as declarações que o chefe da igreja católica proferiu onde se incluía uma referência à religião islâmica divulgaram-se a uma velocidade admirável entre os países onde a maioria da população é muçulmana - poucas horas depois, já se realizavam manifestações, queimavam-se efígies e exigia-se um pedido de desculpas por parte da igreja católica. Admirável, se tivermos em conta que a maioria daqueles países tem fortes restrições à liberdade de informação e as notícias são bastante filtradas. Começo a pensar se as pessoas que organizaram aquelas manifestações não serão subscritoras de um serviço de alerta noticioso por sms, com uma ligeira variação - em vez de enviar mensagens de texto com conteúdos de notícias consideradas como relevantes, as mensagens referem-se a ofensas à religião islâmica. Uma espécie de "alerta islão - saiba sempre em primeira mão quando a sua religião é alvo de calúnias e/ou de críticas". Notem que do ponto de vista clerical, crítica e calúnia são a mesma coisa.
Deste lado, devo dizer que existem poucos motivos de gozo semelhantes a assistir a um confronto entre as duas maiores religiões do Mundo. Em nome de alguém que é maldito às duas correntes, ver um confronto de palavras e, quem sabe, talvez de acções entre seguidores do cristianismo e do islamismo dá-me um certo sentimento de razão, uma certa justiça poética. Depois de sermos bombardeados com declarações dos senhores da verdade sobre o caminho a seguirmos nas nossas vidas para atingirmos uma dita "salvação" e de nos apelarem à consciência através de conceitos como "rezar", "adorar a deus" e "levar uma vida de rectidão", há uma carga irónica e cómica nos conflitos inter-religiosos que me fazem sentir uma certa elevação [não, não é uma elevação espiritual] em relação aos indivíduos que seguem estas religiões e para quem eu estou, irremediavelmente, errado e perdido. Que mais querem? Sou apenas Humano, demasiado Humano.
Onde está então a orientação do insulto e da violência? Numa escritura sagrada? Consumam-nas até à exaustão se assim gostarem, acredito em ideiais democráticos e não considero que se devam impor dogmas morais a ninguém, mas não me podem impedir de me divertir à vossa custa, tenho dito.

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