3.1.08

Um por todos!

Depois de já terem conseguido danificar o ano de 2008 quando este tinha menos de 48 horas de existência (não se lhes pode dar um ano novo sem que o estraguem logo a seguir) eu resolvi fazer um pequeno diagnóstico acerca de um elemento que mantém a sociedade portuguesa unida e coesa em torno de um único fim. Não é um balanço de 2007, não é uma previsão para 2008 e no entanto, tem um bocadinho das duas.

Pois bem, muita discussão já houve acerca da identidade portuguesa, o que é, quem somos, o que queremos, para onde vamos - Salazar disse que sabia muito bem, mas infelizmente resolveu convidar todo o país para o acompanhar numa viagem que devia ter sido a solo. Eu pretendo contribuir com mais um elemento para esse pano de fundo tão difuso e colorido que é a nossa identidade nacional, apenas mais uma peça num puzzle composto por 10 milhões de indivíduos e alguns objectos concretos e abstractos.

Em Portugal, é tradição colocar alguns indivíduos num pedestal e rodeá-los com um campo de forças invisível, imunizando-os assim contra todas as possíveis críticas que possam vir da multidão - mesmo que estas tenham razão de ser. É assim com Afonso Henriques (se é o primeiro rei, tem de ser um indivíduo exemplar e de puras virtudes), com Nun’Álvares Pereira (se venceu a batalha de Aljubarrota contra os castelhanos, é sem apelo nem agravo um dos melhores indivíduos da nossa história), e no início do século XXI, é assim com Cristiano Ronaldo.

Sim, Cristiano Ronaldo, leram bem, ele é um dos elementos unificadores da identidade portuguesa e da cultura contemporânea de Portugal na primeira década do século XXI. Rapidamente nos apercebemos disto quando vemos que a forma como Cristiano Ronaldo nos é apresentado ultrapassa em muito a de qualquer outro desportista profissional, deixando a milhas de distância os seus colegas futebolistas. E isto torna-se evidente não só devido à profusão de criaturas que o imitam - no visual, não na prática futebolista - como também, e sobretudo, no círculo de adoração que é traçado em torno da criatura. Basta abrir um jornal ou ligar a televisão para vermos que Cristiano Ronaldo é o verdadeiro santo terreno do nosso país no século XXI.

Tal como acontece com os heróis da nossa história, Cristiano Ronaldo faz tudo bem, mesmo quando faz algo que feito por uma pessoa comum seria imediatamente reprovado. De facto, Cristiano Ronaldo encarna todas as virtudes que o povo português reconhece como necessárias para manter o país coeso e a cultura nacional bem viva. Observemos então, um jogo da selecção nacional de futebol sénior: se Cristiano Ronaldo falha um remate, a opinião é “muito bem, Ronaldo a mostrar que mudar o rumo do jogo”; se Cristiano Ronaldo falha um passe, foi “o seu colega que não estava no sítio certo”; se Cristiano Ronaldo comete uma falta, “o adversário fez-se à falta, apanhando Ronaldo desprevenido”…suponho que se Cristiano Ronaldo der um pontapé num adversário que esteja de costas para ele, sem bola e com o jogo interrompido, “muito bem, Cristiano Ronaldo a incentivar os seus colegas, mostrando-lhes o que devem fazer para que não percam a dinâmica de jogo”.

Como herói nacional que é, Cristiano Ronaldo é sempre vencedor, mesmo que fique em terceiro lugar - quando recentemente a FIFA elegeu Kaka (brasileiro) como o melhor jogador de futebol do Mundo, seguido de Messi (argentino) para a segunda posição, ficando Cristiano Ronaldo em terceiro, o que nos foi dito é que Cristiano Ronaldo é “o melhor jogador da Europa”…ou explicando melhor, foi o jogador nacional de um país europeu (convém lembrar que Kaka e Messi jogam na Europa) que ficou melhor cotado numa eleição da FIFA. Só depois nos foi dito que tinha ficado em terceiro lugar - no entanto, ninguém explicou aos entusiastas dos nossos meios de comunicação, que ao reduzir a eleição a três jogadores, sendo dois deles sul-americanos, Cristiano Ronaldo seria, de qualquer forma, o jogador de um país europeu mais bem classificado…é que a memória dos povos é curta e nós precisamos que nos estejam sempre a lembrar do que é bom, como o exemplo de Cristiano Ronaldo nos mostra.

Todo este anel de virtude em torno de Cristiano Ronaldo não termina com as acções futebolísticas propriamente ditas - eles já está de tal forma imortalizado no património cultural português, que lhe é permitido esticar o dedo do meio aos adeptos da equipa adversário no Estádio da Luz, sem sofrer qualquer reparo ético ou moral, afinal estava apenas a “reagir a insultos”, quando outros jogadores “não se sabem controlar e dão maus exemplos”. Da mesma forma, a revista Visão quando escreveu uma biografia do dito cujo, considerou-o um “miúdo reguila” que aparentemente fazia coisas tão normais e próprias da juventude como atirar com uma cadeira a uma professora - as crianças, esses diabretes! - coisa que se eu fizesse imagino que não caísse muito bem na minha imagem, mas eu não tenho a fibra mágica de Cristiano Ronaldo nem sei tratar a bola por “tu”, se ao menos soubesse, talvez até me pudesse safar com uma agressão a um membro do governo, daqueles que ninguém gosta

E porque razão Cristiano Ronaldo é a encarnação das mais puras virtudes do povo português e nos mostra o caminho a seguir para o século XXI? Porque no fundo, ele é aquilo que a maioria dos portugueses anseia ser e com quem se sentem identificados - um indivíduo que vem de um meio destroçado, que nunca se destacou pela utilização do cérebro (se não me engano, o seu percurso escolar tem mais acidentes do que uma auto-estrada portuguesa depois de uma noite regada a álcool) , que sempre teve instâncias superiores a traçarem-lhe o percurso, que ganha um fortuna e que é adorado por virtualmente toda a gente - menos em Inglaterra, onde só os adeptos do Manchester United é que lhe reservam esse prazer. Qual é o português que se preze que não quer ser assim?

Por isso deixem de olhar para o passado, deixem de olhar para o século XX, deixem de ler os Lusíadas e de ver tudo o que se fez em Portugal nos campos da arte e da ciência - olhem para Cristiano Ronaldo e vejam nele o espelho da identidade portuguesa no século XXI!


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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ora, toda a gente sabe que essa história de identidade nacional é conversa de salazaróide...a não ser que se trate de futebol, claro! Ah e tal, porque a Irlanda já é melhor que nós (vi num programa qualquer), e isto é mesmo uma porcaria, de modo que vou mas é emigrar para o El Dorado Além-Fonteira.
Ao menos valha-nos o Cristiano Ronaldo à falta de uma Amália, e visto que o Eusébio já não joga!
E já agora, uma Mariza e uma Dulce Pontes! Gosto de ver aqueles senhores estrangeiros n televisão a dizer que Portugal é muito bom, quase que me fazem perder a vontade de emigrar! ;)

08 janeiro, 2008 18:46  
Blogger razio said...

Não gosto nada desse Cristiano, parece um pouco bronco. Meter essa figura num texto que começa a falar de D. Afonso Henriques e do condestável é chocante. Esse jogador é nada e rapidamente voltará ao que é. E os portugueses irão adorar aquilo que outro país disser que é adorável.

16 março, 2008 01:19  

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