H de Homicídio
“A língua portuguesa é muito traiçoeira”, sempre ouvi dizer isto e quem o diz tem bastante razão, tal é a quantidade de situações aparentemente ilógicas que encontramos quando estudamos a Língua de Camões, de Eça, de Garrett e de Fernando Pessoa. Vou-vos deixar com um pequeno exemplo que ilustra muito bem esse carácter traiçoeiro da nossa língua. De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora [1995], existe o verbo “suicidar-se”, sic, sem que o pronome reflexo possa ser removido, de forma a poder conjugar o verbo da seguinte forma: eu suicido-me, tu suicidas-te, ele suicida-se, nós suicidamo-nos, vós suicidai-vos, eles suicidam-se. Isto faz todo o sentido, uma vez que a consequência do verbo “suicidar-se” é algo que só acontece ao sujeito.
Porém, e aqui entra a parte ilógica, não existe nenhum verbo “homicidiar”, o que eu acho que é uma falha grave da língua portuguesa. Existem os verbos “matar” e “assassinar”, é verdade, mas não existe nenhum verbo que tenha uma correspondência directa com o crime “homicídio”, uma vez que um indivíduo com personalidade jurídica tanto pode matar [lá está, se a língua fosse lógica, seria “pode homicidiar!”] uma pessoa como um animal, crime para o qual também existe uma pena própria. Ora bem, se observarmos atentamente a palavra, veremos que “homicídio” diz respeito à morte de um Homem [no sentido geral], da mesma forma que “suicídio” diz respeito a auto-infligir a sua própria morte.
Porque não existe, então, um verbo próprio para designar a morte de um Ser Humano às mãos de outro, quando este acto não é acidental? Nós utilizamos “matar” e “assassinar” frequentemente [bem, não é constantemente…] mas estes dois verbos tanto podem ser aplicados quando a vítima é outro Ser Humano ou quando a vítima é um hipopótamo. A bem da lógica e da harmonização entre a linguagem legal e a linguagem corrente, deveríamos ter o verbo “homicidiar”. Até porque cada vez mais, o acto faz parte do nosso quotidiano e se a língua acompanha os tempos no que diz respeito à tecnologia, porque não há de os acompanhar no que diz respeito aos males sociais?
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