25.3.06

Vejam se percebem, eu não falo chinês!

Já todos ouvimos centenas de vezes que dentro de 40-50 anos, a República Popular da China vai ser a maior economia mundial, com o maior mercado do Mundo e com o maior número de consumidores à face da Terra. Este premissa baseia-se numa taxa de crescimento invejável que ronda os 9% ao ano desde 1978 e que permitiu à RPC multiplicar o seu PIB por cinco (ou até mais, não tenho a certeza) nos últimos trinta anos, no aumento exponencial do consumo de bens ocidentais naquele país, na subida de rendimentos de cerca de trezentos milhões de chineses e no aparecimento de uma classe média no país, juntamente com a expansão militar de Pequim e a sua captação de investimento estrangeiro que tornou cidades como Pequim, Nanjing, Guangzhou, Xian e Shenyang em locais irreconhecíveis desde a morte de Mao Tse Tung em 1976.
"A China é o futuro", parece ser a mensagem e de facto é o que nos fazem acreditar, uma vez que dentro de 50 anos estaremos muito mais dependentes (do ponto de vista económico) da RPC do que agora. Ao contactar com tais informações, pergunto-me se as pessoas que as redigiram fizeram uma análise puramente quantitativa ou se de facto reflectiram nas questões que a tão apregoada "globalização chinesa" levanta mas que passam largamente ignoradas.
Actualmente, a China é a sexta maior economia do Mundo, em 2005 ultrapassou a Itália e tudo indica que nos próximos anos, o seu PIB vá ultrapassar o da França e o do Reino Unido. Informação quantitativa, claro, uma vez que a Itália, com cerca de 58 milhões de habitantes não fica desprestigiada por o seu PIB ser ligeiramente inferior ao da RPC, com 1300 milhões de habitantes. Aqui está a primeira falha. Uma leitura completamente quantitativa deste indicador pode tornar-se numa cortina de fumo, ou se quiserem, num falso ídolo, uma vez que de pouco servirá à China possuir o PIB mais elevado do Mundo dentro de algumas décadas se a população atingir os 1500 milhões (o número previsto para a estabilização da população chinesa) e se o segundo maior PIB do Mundo se encontrar nos EUA que poderão ter uma população a rondar os 350-380 milhões. Ainda no campo dos números, o PIB per capita, um indicador ridiculamente abusado para medir a qualidade de vida da população, uma vez feita a conversão em unidades PPP, ronda os $6000, ou seja, aproximadamente 5000 Euros. Porém, o rendimento médio dos cidadãos chineses ronda os $1500 por ano, o que constitui uma disparidade de 75% no valor do PIB per capita PPP, mais uma falha para os que apenas analisam os números. Sim, sim, claro, o nível de preços é muito mais baixo na China do que na Europa ou nos EUA. Mas não nos dizem que os consumidores chineses estão cada vez mais exigentes ao nível da qualidade dos produtos que adquirem?
Prosseguindo, nunca as desigualdades sociais na China foram tão grandes. Estes valores que apresentei à pouco apenas valem no plano teórico, uma vez que é possível encontrar em Shanghai chineses com um rendimento na ordem dos $10000 por ano e no interior da província de Sichuan podem-se encontrar agricultores com um rendimento na ordem dos $500 por ano. Os salários médios na China rondam os $150, o que apenas reforça a ideia de que a China se expande à custa de mão-de-obra barata, de uma população activa muito numerosa e da ausência de mecanismos de protecção social que se encontram em países desenvolvidos. De facto, uma grande fatia deste desenvolvimento exponencial que a China conheceu, é constituído por unidades fabris que empregam milhares de trabalhadores cujos salários oscilam entre os $100 e $200 mensais e cujos produtos acabam nas superfícies comerciais ocidentais. Há ainda que ter em conta que dos 1300 milhões de chineses, cerca de 900 milhões vivem na pobreza e, ainda que o PIB cresça 9% ao ano, as desigualdades sociais agravam-se desde há dois anos para cá, não se prevendo para breve que estas deixem de crescer.
Continuando, há quem diga (entre a comunidade dita "esclarecida") que a China prepara-se para atingir em menos de 50 anos o que os países ocidentais atingiram em mais de 200 anos, ou seja, industrialização e desenvolvimento económico. Vou agora sair do plano dos números e afirmar o seguinte: considerar que a China atingirá em 50 anos o que os países ocidentais (suponho que com esta expressão queiram dizer o Reino Unido, os EUA, a França e a Alemanha) atingiram em 200 anos é relegar o património daqueles países a um plano meramente económico e numérico. Mais, reconhecer essa vantagem à RPC, é esquecer pura e simplesmente os compromissos de desenvolvimento sustentável, de respeito pelo meio ambiente, de governação democrática e de cumprimento dos Direitos Humanos. Dito por outras palavras, é reconhecer que o ocidente esteve errado em aplicar medidas que para nós são sagradas, como a liberdade de imprensa, de associação, de religião, igualdade perante a lei, preservação do meio ambiente e humanização do trabalho, uma vez que o patamar aonde com elas chegámos em 200 anos vai ser ultrapassado pela China em 50.
Não consigo imaginar uma superpotência (cenário previsto para a China por volta de 2050) onde a maioria da população vive na pobreza, onde um cidadão pode ser executado em público com um tiro na nuca, onde as actividades de carácter político são fortemente restringidas e onde um utilizador da internet não possa escrever a palavra "democracia" na barra de pesquisa do Google sem ver uma página de erro no écran. O mundo ocidental está a vergar-se totalmente perante a China, uma vez que um mercado com 1300 milhões de consumidores (ok, só uns 15% deles é que têm algum poder de compra...) é demasiado apelativo para poder ser esquecido. Em nome do out-sourcing, de redução de custos, do aumento de produção e do acesso a um mercado tão grande, o Tibete continua arredado dos fora internacionais, Taiwan continua a ser um autêntico estado-pária, os cerca de 10 000 condenados à morte todos os anos dificilmente vão ser alvo de atenção e os Jogos Olímpicos de 2008 vão para Pequim, num país que vai contra tudo o que o ideal olímpico representa.

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