10.3.06

Células cancerígenas num tecido saudável

Vivemos em democracia – o Estado não é autoritário, elegemos os nossos representantes de forma livre e transparente, dispomos de instituições que desempenham os poderes legislativo, executivo e judicial sem promiscuidade, as forças da autoridade não maltratam os cidadãos, a impressa não sofre coacção por parte do poder político, a actividade religiosa não é restringida nem castigada, temos liberdade de associação, de expressão, de pensamento e de voto. Todos estes pressupostos, conseguidos a grande custo ao longo de séculos que conheceram avanços e recuos na sua progressão, estão consagrados na Constituição da República Portuguesa e são inalienáveis.
Qual será então o destino legal de um partido político cujo programa elege como objectivo a substituição da actual democracia representativa por um regime autoritário? A Constituição proíbe explicitamente a formação de partidos políticos e/ou associações de perfil fascista, colonialista e/ou racista, bem como partidos que contenham elementos ou expressões directamente relacionados com religiões ou igrejas, o que exclui imediatamente qualquer partido de ambições teocráticas. Vamos então supor o seguinte: é formado um partido político que não é de inspiração fascista, que não dispõe de um carácter racista nem favorece o colonialismo mas que continua a ser autoritário [uma vez que o autoritarismo tem muitas faces], seria este partido autorizado a formar-se? O Tribunal Constitucional aceitaria a sua legalização? Poderia ser sufragado? O que reserva o poder judicial português para um partido político que, fazendo uso das instituições democráticas portuguesas, pretendesse desmantelar a democracia portuguesa? Imaginemos outra situação. Pretende ser legalizada com o estatuto de partido político uma associação cujo objectivo máximo seja a alienação do Estado português e a sua integração no Estado espanhol, resultando no desaparecimento de Portugal enquanto sujeito de direito internacional público. Imaginando que o partido não coloca em causa as instituições democráticas, não perfilha qualquer ideologia autoritária ou totalitária, não é inspirado pelo fascismo nem toma posições racistas, simplesmente pretende incorporar Portugal em Espanha. Pode legalizar-se? Será inconstitucional? Pode concorrer a eleições?

Click Here