16.4.06

Sempre tivemos razão

Sempre tivemos razão...
A verdade não pode ser encontrada no vento ou na chuva, muito menos num canto empoeirado da mente... Porque nos deixámos enganar de tal forma durante tanto tempo? E porque perseguimos nós os que julgávamos errados de forma tão violenta? Sem o compreendermos, encarnámos a força malévola que jurámos combater durante tanto tempo, que seria o suficiente para nos condenar a uma eternidade de tormentos e de martírios. Que diferença afinal, faz uma frase num livro? Toda a diferença, não pela frase em si, esta é neutra, mas pelo que dela fazemos e pelo que dela fizemos não merecemos o ar que respiramos ou a água que bebemos.
E daqui para onde vamos? Estendemos a mão aos que perseguimos, pedimos desculpas, afinal são nossos irmãos, podem sempre contar connosco? Ao conforto da ingenuidade e das boas intenções...a esses nunca escaparemos, nem sequer queremos escapar, é tão acolhedor, quase que nos faz feliz saber que ajudámos alguém cuja natureza não compreendemos mas que nos disseram que devíamos ajudar. Afinal, nem sempre tivemos razão... Ou tivemos, e decidimos ignorá-la como quem a olhar para o céu cinzento ignora que acima das nuvens, o Sol nunca desapareceu? E porque demorou ela tanto tempo a aparecer? Da iluminação ao obscurantismo é apenas um passo, basta uma palavra mal empregue, dirigida aos ouvidos errados, que a reencaminham a um cérebro mal orientado, e temos as trevas da razão instaladas antes do próximo pôr do sol.
E o que fazemos então? Destruímos, esventramos, estropiamos, matamos em nome do que julgamos ser correcto contra aqueles que estão incorrectos, afinal eles vêem mal, eles ouvem mal, eles pensam mal, temos de os corrigir, nem que seja à força, caso contrário tempos muito piores virão. Sim, tempos muito piores virão, podemos ter a certeza, mas nunca para os executores, esses ficarão felizes na sua nova realidade, livres de tudo e qualquer empecilho que os possa perturbar. Ou será que não? Claro que não, como é que isto ainda pode ser equacionado? Num Mundo de trevas, nunca há paz, por mais que esta seja apregoada e imposta pela força dos ditos justos e verdadeiros, se o obscurantismo está instalado, os seus executores não vão ficar por aí, vão antes subir à próxima etapa. Vão definir círculos cada vez mais apertados com o seu lápis infeliz em torno de si próprios, até que quando se apercebem, desenharam uma linha suficientemente grande para que se possam enforcar nela e servir de exemplo aos poucos que sobraram.
E então, pendurados na praça pública, na árvore dos enforcados, os que sobraram vão observar o triste testemunho morto-vivo do que aconteceu e se ainda houver alguma réstia de esperança e de sabedoria no Mundo, vão pensar que algo esteve errado nos seus últimos tempos...vão-se aperceber que aquele caminho só leva à queda e tudo farão para não terem o mesmo triste desfecho daqueles para quem um dia olharam com admiração e respeito, julgando-os Senhores da Verdade e da Razão.
Afinal, sempre a tivemos cá dentro, apenas decidimos não lhe ligar quando ela mais precisava da nossa atenção. Infelizmente nem toda a gente a atinge, mas quem tem o privilégio de manter um relação próxima e frutífera com a razão sabe que ao contrário do que se julga ser correcto, mentes com razão não traçam círculos em torno das mentes sem razão tentando nobremente resgatá-las para junto de nós. Não...longe disso, muito longe, afastamo-nos o mais depressa possível do seu turbilhão devastador para que possamos estar a uma distância segura do seu rasto de destruição. Mas nunca nos afastamos o suficiente para os perdermos de vista, pelo contrário, fazemos questão de reservarmos lugares na primeira fila para assistir ao glorioso espectáculo que é ver aqueles bárbaros a debaterem-se com as suas próprias fúrias e aplaudimos quando se chacinam uns aos outros, fazendo um favor a todos nós ao livrarem-nos da sua vil e pérfida existência.
Sim, temos razão, eles não fazem falta nenhuma, mas uma vez que cá estão, podemos pelo menos aproveitar o espectáculo que nos reservaram. Afinal, ninguém é perfeito, nem a mais sã e razoável das mentes e por mais razão que tenhamos, nenhum prazer é comparável ao de vermos um adversário (sem honra nem glória e que ontem nos tentou destruir) a ser envenenado na sua própria substância tóxica e a gritar pela nossa ajuda... À medida que a sua agonia se aproxima do fim, aproximamo-nos da reles criatura, cujos olhos brilham perante a possibilidade de, no último segundo, lhes estendermos a mão, como eles nos fizeram num aparente pedido de perdão pelo mal causado...
E aí, num momento digno de ser assinalado com um fundo sonoro ensurdecedor, diremos com todo o nosso orgulho "Eu tenho razão...e tu não" e assistimos à queda final do inimigo para as mais negras profundezas da irracionalidade, das quais ele nunca vai sair e se vai arrastar penosamente num teatro que faria vergonha ao mais insignificante dos habitantes que se encontram no reino animal. Sempre tivemos razão...e sempre a teremos.

1 Comments:

Blogger MoonnooM said...

É sempre impressionante ler o que escreves...
À medida que as linhas seguem e somam, questiono-me se estou perante um qualquer livro de História, uma obra filosófica ou um qualquer telejornal que atesta a realidade internacional...
Meio misterioso, ou com as palavras quase todas...é sempre um prazer ler textos como os teus. No entanto, como atesta a História, a maior parte das pessoas que acharam que tinham razão, tiveram uma razão errada, que se transformou em auto-destruição ou mesmo em páginas sangrentas de livros.
Se é uma interpetação certa ou não...ficas tu por dizer!;) *beijinho*

19 abril, 2006 00:27  

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