25.4.06

Efemérides e celebrações

Para mim que nasci já em plena democracia e na iminência da integração Europeia de Portugal, a data de hoje surge-me mais como curiosidade histórica do que propriamente como algo a viver e celebrar intensamente, por mais que tentemos é impossível recriar o ambiente vivido na altura e uma coisa que falta à nossa geração [quem me conhece, sabe qual é a minha idade] é o testemunho consciente de acontecimentos que tiveram um impacto fulcral na nossa vida, na ordem vigente e na sociedade em que vivemos. Nascemos já em democracia, tínhamos poucos dentes quando Portugal aderiu à então CEE, estávamos a aprender a ler quando caiu o Muro de Berlim e quando foi constituída a União Europeia as nossas maiores preocupações eram brincar no recreio da escola primária e ver os desenhos animados dos fins de semana de manhã. Por comparação, os nossos pais testemunharam de forma directa e indirecta acontecimentos de grande relevância no plano nacional e internacional: a guerra colonial, a guerra do Vietname, o assassinato de John F. Kennedy, o Maio de 68, a chegada à Lua, o escândalo Watergate, o 25 de Abril, o PREC, o 25 de Novembro, a morte de Sá Carneiro, a adesão de Portugal à CEE, a queda do Muro de Berlim e a dissolução da URSS dois anos depois [que alguns de nós recordam mas sem a maturidade necessária para a compreender]. O que é que nós vimos, com consciência e maturidade? George W. Bush a tornar-se presidente [eu preferia não ter visto], os atentados de 11 de Setembro, António Guterres a demitir-se [isto parece muito pobrezinho…], Santana Lopes a chegar a PM [ainda parece mentira, mas não, isto aconteceu mesmo!] e pouco mais… O único acontecimento digno de figurar num álbum de recordações, gravado a letras de ouro, é o campeonato ganho pelo Benfica na época 2004/2005, esse ninguém nos tira e ainda o Benfica a vencer o Manchester United e o Liverpool na época seguinte.

Por isso, celebrar o derrube do antigo regime, uma oligarquia apodrecida e desfasada da realidade gerida por um círculo de criaturas que faziam de Portugal um quintal dos seus interesses, quase parece um acontecimento remoto e distante. Porém, é em nós que reside o futuro da democracia, não naqueles que, com um misto de orgulho e dor, recordam os tempos em que foram presos e torturados pela PIDE e que afirmam que Portugal está perdido. É à nossa geração que compete incorporar os valores da Democracia e dos Direitos Humanos à escala global, sem complexos e sem que o nosso passado recente, nomeadamente o período 1926-1974, constitua um obstáculo ao nosso desígnio. Não sei ao certo qual era o grande objectivo dos militares que derrubaram o regime de Marcello Caetano, mas o restabelecimento da democracia em Portugal implica sobretudo uma grande responsabilização da nossa parte, que fora negada durante os 48 anos de autoritarismo paternalista, e não estamos a ser responsáveis quando o país em que vivemos continua a ter o nível de vida mais baixo da Europa Ocidental [e para quem possa estar a pensar, não, isto não é apenas uma questão de dinheiro], quando cerca 80% da nossa população não concluiu o ensino secundário, quando temos quase um milhão de analfabetos e quando cerca de 20% dos portugueses vivem na pobreza. Quanto mais ênfase é dado às comemorações do 25 de Abril de 1974, mais a nossa mente colectiva se afasta do presente e do futuro e regressa àquele tempo, em que existia uma ideia para Portugal que hoje está muito afastada ao que era naqueles dias. Ao abdicarmos da nossa responsabilidade enquanto cidadãos, estamos a permitir que a classe política decida por nós o rumo do país, reduzindo a nossa participação à mera validação de programas eleitorais a cada quatro anos [e às vezes menos]. Ao colocarmos todo o peso da responsabilidade na classe política [incompetente] que dirige o país, estamos a recriar o Estado Novo, sem os mesmos instrumentos daquele período, mas igualmente afastado dos verdadeiros desígnios nacionais.

1 Comments:

Blogger MoonnooM said...

Concordo plenamente!! quando dizes que somos nós que temos que mudar o estado das coisas. COncordo com a ideia de "autoritarismo paternalista" por oposição à realidade que deveríamos assistir que deveria ser pôr mãos à obra e pôr o país a caminho do séc. XXI o qual parece ainda não ter chegado por estas bandas!
A tal ideia de ditadura ainda nas mentes de muitos leva-nos a um estado de dormência que acho ridículo para um país que tem possibilidades de fazer melhor! Criticamos os governantes mas somos nós que os elegemos (ou não...). Achamos que eles é que devem mudar o estado das coisas sem que o povo tenha que fazer algo por isso. Esse mesmo povo, e esses mesmos governantes que (diria mesmo desde o Ouro do Brasil) continuam a ver chegar subsídios desde há décadas, e onde visivelmente não vejo (lol) onde sejam aplicados...ahhh esperem, neste ponto não estou a incluir casinos, campos de golfe e afins!! Continuamos um país em vias de desenvolvimento (soa melhor!!!!), porque continuamos a olhar para o passado (como sempre) à espera de melhores dias ou do D.Sebastião esperado! è muito mais fácil dizer que queremos ir viver para Espanha (coisa que me irrita solenemente!!!) do que mudar o estado do que se vive em Portugal!! É muito mais fácil deixarmo-nos governar do que tomarmos as rédeas da liberdade que há 32 anos conquistámos! Não é ridículo?!

25 abril, 2006 18:51  

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