8.12.06

Bens de elevado Valor de Exibicionismo e de Indução de Inveja

Não é que haja algum mal em gastar bastante dinheiro no mês para Dezembro em presentes para oferecerem uns aos outros, parto do princípio que adultos responsáveis [a palavra-chave é mesmo "responsável"] devem poder fazer ao dinheiro aquilo que bem lhes apetece.
O que começa a ser estranho é que, num país onde os salários são significativamente mais baixos que nos seus vizinhos da Europa Ocidental, as pessoas gastem uma quantidade de dinheiro superior à dos seus 'compatriotas' europeus nesta altura do ano. O que há então com os hábitos de consumo dos portugueses?
Não é novidade nenhuma, o português "comum", que para ser "comum" deve ter um salário abaixo da média europeia, sente-se dimínuido na sua auto-estima, que é como quem diz, sente-se pobre. Como resolver isso? Comprando bens de consumo de elevado VEII. Este VEII é um acrónimo criado pelo indivíduo que escreve isto e que significa Valor de Exibicionismo e de Indução de Inveja. Como podem deduzir, trata-se do indicador que que permite modificar a percepção do nível de vida de cada indivíduo em função da artilharia de consumo de que dispõe.
O VEII é apurado através da ponderação dos bens de consumo detidos por um indivíduo e que são indutores de sentimentos de inveja dos seus colegas, vizinhos, amigos e conhecidos. A sua consequência será, obviamente, comprar um outro objecto de elevado VEII capaz de anular o sentimento de inveja que entretanto se formou devido à aquisição vistosa do outro indivíduo.
Quais são, então, os bens que dispõem um elevado VEII? Simples, tratam-se de bens que concentram, dentro da sua estrutura física, uma componente tecnológica avançada, este é o requisito número um. Na segunda posição, encontra-se o design do artigo, que deve reflectir a imagem que o indivíduo quer projectar de si - a cor negra ou o cinzento metalizado são comuns, uma vez que projecta uma imagem de modernidade e de avanço tecnológico. O terceiro factor é o nome do artigo e as suas características quantitativas, que se reflectem em longas linhas de especificações técnicas onde se incluem acrónimos anglo-saxónicos e combinações de algarismos e letras que 99% das pessoas não sabem o que significam [e mesmo que soubessem não lhe saberiam dar uso]. Finalmente, o quarto e último factor - o preço. É extremamente importante, uma vez que se for demasiado barato, passa a imagem de que o indivíduo tem um baixo nível económico, se for demasiado carto, dá imagem de parvo porque largou uma fortuna por alguma coisa que custou metade a outro.
Ora bem, exemplos concretos destes bens com elevado VEII: telefones de terceira geração, capazes de realizar videochamadas, com câmara fotográfica de elevada resolução [à escala de um telefone, lá está], de reduzidíssimo tamanho e capaz de proporcionar um espectáculo luminoso a quem o contempla; televisões de écran plano, plasma ou LCD e de alta definição, capazes de dar aos espectadores uma experiência semelhante à de um cinema [para depois os desperdiçarem com a televisão portuguesa]; computador pessoal com os números mais elevados do mercado no que diz respeito a CPU, memória e placa gráfica [para o usarem apenas para conversar na internet]; uma Playstation 2 [em breve 3] para estar em sintonia com os outros que também têm uma [e depois para comprar jogos que existem para as outras plataformas e conseguir não perceber nada do assunto]...
Já devem estar a ver onde é que eu estou a chegar. Que fique claro, não tenho nada de pessoal contra as pessoas que fazem isto. Vivemos numa democracia e cada um tem a plena liberdade de adquirir e ostentar aquilo que bem lhe apetece, temos inclusivamente a liberdade de sermos saloios e de aumentar a nossa auto-estima com caixinhas de plástico feitas na China. Apenas lhes peço uma coisa: não se queixem de que não têm dinheiro, ok? É muito diferente uma situação em que um indivíduo não tem dinheiro para ter um nível de vida decente, de uma situação em que não pode financiar um estilo de vida baseado em bens de elevado VEII.

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