2.10.06

Uma dúzia de castanhas

O nosso país vive num perfeito anonimato a nível mundial no que diz respeito à sua colocação no panorama global das artes. Muitas vezes apontada como hermética e fechada sobre si mesma, a cultura em Portugal necessita de um impulso mediático capaz de fazer por Portugal o que grande vultos artísticos mundiais fizeram pelos seus países.
Mantendo uma linha de constante atenção sobre o que de melhor e pior se faz em Portugal no panorama das artes e da cultura, Prometeu Agrilhoado apresenta-vos, em primeira mão, o projecto mais arrojado e mais ousado do cinema português. Encontrando-se ainda numa etapa primordial de desenvolvimento, pretende ser um produto cinematográfico capaz de fazer nome por si próprio e que abra um lugar cativo para Portugal no firmamento cinematográfico mundial.
Não se trata do estereotipado filme português, adaptação moderna de uma obra literária existente com a qual poucos ou nenhuns portugueses se identificam e que não vai além de alguns nichos em festivais de cinema europeus. Trata-se de um projecto que envolve cineastas portugueses e estrangeiros, situado inteiramente na cidade de Lisboa [porque a nossa capital pode ser tão telegénica como Nova York ou Paris] e que, através das mais avançadas técnicas de realização actual, faz um retrato de um episódio comum na vida de cada português, que acaba por ser comum ao cidadão contemporâneo de qualquer país do Mundo. Uma mesma história contada por realizadores diferentes, um drama pessoal filmado por alguns dos maiores mestres do cinema mundial…
Uma premissa tão simples para uma obra tão complexa - tendo como base um momento aparentemente banal da existência cinzenta do citadino actual mas que evolui para uma profunda reflexão sobre o passado, o presente e o futuro de cada um, sobre as angústias e as lutas pessoais de cada um, sobre os traumas abertos e as feridas fechadas, sobre as paixões enterradas e as raivas ressuscitadas que surgem sistematicamente na nossa mente, num espaço de tempo que apenas pode durar uns breves cinco segundos.
Sem mais demoras, é com orgulho que lhes apresentamos o projecto que dá pelo seguinte nome de produção - "ERA UMA DÚZIA DE CASTANHAS, FAZ FAVOR".
Esta superprodução assenta no seguinte formato - um episódio da vida urbana como qualquer outro. Um homem, solitário, igual a tantos outros, cujo nome desconhecemos, está de pé, numa fila para comprar castanhas a um comum vendedor de castanhas, cena comum nas manhãs e tardes de Inverno na cidade de Lisboa. Enquanto espera, observa o que se desenrola à sua volta e inicia uma série de reflexões que se materializam à sua volta, em parte reflexos da sua própria condição, em parte baseadas na sociedade que ele integra. Tornando-se cada vez maiores e mais poderosas, o homem sente-se cada vez mais alienado daquele espaço e conclui que se afastou da sua vida, que já não é um jovem idealista com vontade de mudar o Mundo, que pode nunca o ter sido e que tem vivido uma existência fútil e sem uma orientação capaz de o levar à felicidade e à utopia que todos desejamos atingir. Uma base comum, para várias formas de apresentar a história. Um final comum, também, uma vez que, passado o episódio na mente do homem, todas as histórias terminam com o protagonista a chegar à sua vez e a pedir ao vendedor "Era uma dúzia de castanhas, faz favor" e a abandonar a cena, sem sabermos para onde - irá para casa? Irá para o emprego? Irá encontrar-se com amigos? Irá por fim à sua vida? Irá para o seu carro, apanhar um comboio ou um autocarro de longa distância, até para o aeroporto, quem sabe, para se afastar de tudo o que conhece e iniciar uma nova vida?
Ao que Prometeu Agrilhoado apurou, aceitaram fazer parte deste projecto os seguintes realizadores, cada um com as suas particularidades:
Manoel de Oliveira - encontrando-se à espera da sua vez, o homem fita os vultos cinzentos e monolíticos que passam à sua volta. Crianças cabisbaixas, pela ausência de Sol naquela fria e nebulosa manhã de Dezembro, homens sem expressão, dirigindo-se para os seus empregos sem sentido… esta observação é brutalmente interrompida por uma mulher, de olhar caloroso mas de expressão distante, que acaba de comprar as suas castanhas e que lhe caem das mãos à sua frente. Por um golpe de sorte, não saem do seu embrulho, uma página da lista telefónica de assinantes de cidade de Lisboa, edição 2001/02, e aterram aos pés do nosso protagonista. Sem mudar de expressão, o homem inclina-se, apanha o embrulho do chão, estende-o à mulher e expressa "As suas castanhas", com um tom de voz suave mas ao mesmo tempo cortante, capaz de se fazer ouvir à sua interlocutora apesar do intenso trânsito à sua volta. No instante em que ele estende o braço, recorda-se dos momentos de infância em dias semelhantes, em que uma dúzia de castanhas representavam mais do que uma mera guloseima, eram uma amiga nos frios dias de inverno, agravados pelas frias paredes da casa da sua avó onde vinha passar as férias do natal. A mulher retira o embrulho da sua mão e desaparece sem uma palavra, o que não altera o estado de espírito do homem.
Pedro Almodóvar - fazendo parte de uma fila composta por dois drag-queens que actuam no bar próximo, três prostitutas na casa dos cinquenta que se queixam do frio e da ausência de clientes e de um jovem com ar de agastado pela heroína e algo mais, um homem aparentemente saudável e vestido com um banal fato e gravata que se encontra em qualquer agência bancárias reflecte sobre a sua condição única naquele meio e chega à conclusão que o objectivo do Homem moderno não é atingir a felicidade, é sim afirmar-se pela diferença e relembrando na sua infância como tudo era diferente, as lições ensinadas na catequese e a forma como os seus pais se referiam às pessoas que fazem parte da fila onde se integra, o nosso protagonista pela primeira vez sentiu-se um alienígena no seu próprio meio, ou talvez, num termo mais preciso, um des-integrado, um estado de espírito para o qual não temos alternativa semântica senão colocar um hífen numa palavra que fomos buscar às ciências exactas. No final, quando chega a sua vez, o homem pede as suas castanhas e retira-se em paz consigo mesmo e com o mundo.
Emir Kusturica - num meio caótico, marcado por um conflito fratricida sem sentido entre indivíduos que são vizinhos, um homem está na fila para comprar castanhas enquanto à sua volta grupos de ciganos dançam. Enquanto aguarda a sua vez, assiste a discussões violentas que têm tanto de agressivas como de ridículas, bem como a apelos à morte e destruição, intercalados por alguns solitários apelos à unidade da parte de nostálgicos deslocados. À sua frente, encontra-se uma bela mulher que atinge o seu coração com o olhar. Após comprar as suas castanhas, o homem agarra a mulher com o braço disponível e voa para longe, deitando um olhar de misericórdia sobre aquele que foi o seu país, e recomeça a sua vida com uma nova amada num local distante de outro continente
Woody Allen - um homem de meia idade de elevado estatuto socio-profissional sente um grande vazio na sua vida extra-laboral. Ainda não ultrapassou o divórcio de há 3 anos após um casamento turbulento de 15 anos com uma mulher obssessiva-compulsiva que lhe elevava o desejo a níveis que nunca antes ele imaginou (nem sequer nos seus tempos de estudante). Apesar de tudo, estava satisfeito com o seu casamento, mas ano após ano, os pormenores que marcavam a personalidade da sua mulher acentuavam-se e nos últimos anos de vida em conjunto, já não reconhecia a sua esposa (excepto, claro, na cama, onde ela se mostrava cada vez mais insaciável). Enquanto aguarda a sua vez na fila, o homem revê na sua mente a ex-mulher, onde é que ela estaria? O que estaria ela a fazer? Estaria a dar com outro homem em doido? E nesse caso, em que sentido - na vida em geral ou apenas debaixo dos lençóis? À sua frente, estão dois psiquiatras que discutem um caso clínico de internamento de uma mulher ninfomaníaca que desenvolveu tendências sociopatas perigosas. O homem pensa, será a sua esposa? Sem se aperceber, atrás de si está uma jovem de vinte e poucos anos com feições em tudo semelhantes à sua ex-mulher - com os mesmos traços lânguidos, com a mesma altura, com uma expressão semelhante, até com uma insinuação nos olhos parecida com a que a sua esposa fazia quando tinha vontade de saciar o seu desejo. Após comprar as suas castanhas, o homem repara na jovem e não lhe tira os olhos de cima até que esta termine a transação. Aqui, o filme perde o som e vemos apenas o homem timidamente a iniciar uma conversa com a jovem e os dois afastam-se do ângulo de visão da câmara.
Quentin Tarantino - um homem com uma dose exagerada de raiva contida aguarda impacientemente a sua vez para comprar uma dúzia de castanhas. Observando o mundo cinzento e vazio à sua volta, ele decide que não pode esperar mais. Vemos o protagonista a abrir a sua gabardine de onde retira duas Uzis carregadas e dispara indiscriminadamente sobre as pessoas à sua volta (mas não contra as que se encontram na fila) espalhando o pânico e o terror. Transeuntes, carros, autocarros, motas, janelas de edifícios...tudo é um alvo para este indivíduo. Quem se encontrava na fila despareceu, fugiu para um local onde não possa ser atingido pelas balas deste louco. Todos, menos o vendedor, aterrorizado e em estado de choque, não foi capaz de se mexer e limita-se a olhar para as pessoas em pânico, para os mortos que caem na via pública e para os feridos que gritam por socorro. Finalmente, quando o homem se encontra frente-a-frente com o vendedor, a câmara foca-se nos olhos do homem, para em seguida se afastar e nos mostrar um plano afastado do sítio onde a personagem se insere, e aí vemos que o massacre sanguinário se desenrolou na mente do homem e que a cena continua a ser um banal dia urbano. Ao pedido de "Era uma dúzia de castanhas faz favor", o vendedor corresponde e quando o homem se afasta e abre o cartucho, vemos as páginas que embrulham as castanhas manchadas de sangue.
Esta super-produção irá com toda a certeza, colocar Lisboa no mapa do cinema mundial. A nossa capital vai tornar-se numa referência da Sétima Arte e a fama vai-se tornar inerente a Lisboa, uma capital tão telegénica como Paris.

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