8.7.06

Saturação

Estou farto…farto de ver, ouvir e ler coisas como “Portugal continua a ser mau” ou “continuamos a estar na cauda da Europa”. Farto sobretudo porque estas declarações são repetidas periodicamente a intervalos regulares. Se durante dois meses ainda não ouvimos ou lemos isto nos meios de comunicação, em breve a mensagem será repetida. Nem é necessário vir documentado num novo relatório do Eurostat, as próprias televisões [o meio de informação privilegiado da maioria dos portugueses] se encarregam de ressuscitar o tema, e lá temos uma reportagem que tem como título “Portugal é o país mais pobre da União Europeia a 15” seguido de um subtítulo que dirá qualquer coisa como “no prazo de dez a quinze anos, seremos ultrapassados pelos novos membros”.
Isto perturba-me ainda mais quando, presumo eu, o objectivo é provocar uma reacção positiva e empreender um maior esforço no sentido de contrariar esses factos. Mas não, o que acontece é precisamente o contrário. O que acontece é que, de uma forma intrínseca na mente da grande maioria dos portugueses, o obstáculo transforma-se em evidência intransponível e impossível de ultrapassar, em destino, ou até mesmo em “fado” [conceito nojento…], passando assim de situação a vivência, ou seja, para a maioria dos portugueses, ser o menos desenvolvido da Europa Ocidental já foi aceite, está incorporado e é tão típico como elogiar tudo o que é feito fora do país ou como enaltecer quem conseguiu desviar mais fundos comunitários para a sua conta bancária.
Pois bem, aqui fica mais um cliché “é Portugal”, duas palavras simples que encerram uma realidade terrível, a de que por mais que tentemos nunca saímos do mesmo sítio. É como um doente crónico que padece de uma doença incurável, ele ser alvo de terapias, pode atenuar o sofrimento, mas da doença nunca se livra. É assim que muitos portugueses vêem o seu país. Somos os piores e não há nada a fazer. O facto de que outros países europeus que há trinta, quarenta, cinquenta anos atrás eram bastante pobres e subdesenvolvidos e hoje encontram-se os países com melhor nível de vida do mundo é totalmente irrelevante. Porque quando este argumento é invocado, imediatamente surge alguém que associa a cultura portuguesa ao nosso desnível, e mais uma vez, é aceite como um dogma “nunca seremos como eles, porque a nossa cultura é diferente”.
Ou seja, involuntariamente, estão a dizer que países pobres em todo o Mundo podem nunca ter uma hipótese de atingirem um maior nível de desenvolvimento por causa da cultura. Porque não é inerente à sua espécie, porque aquele povo não está vocacionado para aquilo, nunca se vão desenvolver. Simpático, não haja dúvida, experimentem dizer isto a alguém da Coreia do Sul ou da Malásia e recebem uma resposta à letra, este argumento encontra-se desacreditado.
Sobretudo, irrita-me a estagnação em que aquelas declarações são feitas. Um artigo onde se afirma que Portugal é o país mais pobre da Europa Ocidental não recebe resposta, não recebe contestação, não é alvo de análise, é aceite pela fé. E isto porque nós conhecemos pessoas que têm maus empregos com baixos salários, vemos pessoas que vivem na pobreza, temos conhecimento de péssimos serviços de saúde e de um medíocre sistema educativo e quando olhamos para os nossos parceiros europeus, vemos que tudo é diferente.
A culpa é, obviamente, dos políticos. Quem os elegeu não tem responsabilidade alguma, pois eles limitaram-se a fazer promessas que não cumpriram. Como vai então uma geração de portugueses explicar aos seus descendentes que Portugal é o país mais pobre da Europa Ocidental? Vai-lhes dizer “porque nós deixámos que nos fizessem isto, porque não levantámos a voz, porque não sabíamos o que estava a fazer, porque não percebíamos do assunto, porque pensávamos que era assim?” Duvido. Mais uma vez, a culpa irá morrer solteira e estão reunidas as condições para que no futuro próximo, suceda uma nova de emigração portuguesa para a Europa Ocidental e América do Norte, maior do que os números que se verificaram nos primeiros anos do século XXI.

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