14.10.06

Cabeça de Turco

Em França, foi aprovada uma lei que proíbe a negação do genocídio Arménio, que entre 1915 e 1917 resultou na morte de cerca de um milhão e meio de arménios pelo então Império Otomano, actual Turquia. Na Turquia, o assunto é um tabu altamente restrito e mencioná-lo é considerado crime contra o estado e contra a identidade turca, punível com pena de prisão, tal como insultar a figura de Atatürk, o fundador da actual República da Turquia.

Imediatamente vieram manifestações de repúdio, oficiais e oficiosas, pacíficas e violentas, críticas da Turquia e da Comissão Europeia e apelos a boicote dos produtos franceses. Sem razão de existir, digo eu. Porquê? Porque a França é um estado de direito democrático inserido no contexto da realidade comum à Europa Ocidental - significa isto que partilha muitos aspectos históricos com os seus parceiros Europeus, uma história recente muito aproximada, bem como uma evolução das circunstâncias quase paralela. Não foi na Europa que teve lugar um dos maiores genocídios da História, perpetrado nas décadas de 1930 e 40 pelo Terceiro Reich? Em vários países, a negação deste genocídio foi criminalizada, a França apenas tomou uma atitude análoga em relação a um outro acto criminoso, este cometido durante a Primeira Guerra Mundial e que teve como alvo o povo arménio. Se a Alemanha consegue encarar o seu passado recente, porque não a Turquia?
As ameaças da Turquia que este acto político por parte da França pode prejudicar a aproximação do estado turco à União Europeia não têm qualquer fundamento. Se de facto se verificar um resfriamento das relações entre a Turquia e a UE, isso não é resultado desta lei francesa mas sim de um sentimento já existente na Turquia que apenas aproveitará um pretexto para se afastar da integração europeia.. Mais uma vez, a Turquia mostra que não sabe lidar com assuntos políticos europeus e que se os seus interesses não forem satisfeitos [neste caso, se as suas leis de legitimidade duvidosa não forem observadas por países europeus democráticos], mostram o seu lado mais arrogante e ameaçam com a atitude típica de quem não sabe o que é uma democracia ou respeitar as leis de um estado democrático. O reconhecimento do genocídio Arménio nem sequer é um critério de adesão à União Europeia, uma vez que foi perpetrado pelo Império Otomano e não pelo actual estado turco, o que demonstra que a Turquia não sabe o que diz e cede rapidamente às correntes extremistas que se encontram dentro das suas fronteiras e que pretendem silenciar todas as vozes críticas à conduta do estado, como aliás se viu pelo exemplo do vencedor do Prémio Nobel da Literatura, que no ano passado foi preso por insultos à identidade turca. Isto parece uma conduta de um estado democrático que pretende iniciar um processo de integração europeia?

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